AVE CIGANA: Estamos na Semana do Migrante e convém refletirmos sobre as dores e as delícias que atravessam as léguas, por vezes tiranas, dos processos migratórios. Movimentos planetários nas incertezas de um mundo “globarbarizado”. Os veículos midiáticos exibem o escandaloso espetáculo dos africanos que morrem, nas suas travessias marítimas, em direção ao continente europeu visto como um oásis diante da penúria em que vivem nos seus países de origem. No caso brasileiro, temos o exemplo clássico da triste partida do nordestino, expulso pelas históricas secas ( transformadas em uma “indústria” ) em direção ao “Sul maravilha” na busca por melhores condições de vida. Expulsos de suas terras, transportados em paus-de-arara, os “baianos”, em São Paulo e os “paraíbas”, no Rio de Janeiro, não iam à procura só de pão. Não esqueçamos das nossas multidimensionalidades. Emprego, afetos e diversão fazem parte dos múltiplos desejos humanos. Experimentar a sensação de ser estrangeiro, dentro do seu próprio país, gera desconfortos. Alvos de preconceito, protagonizaram tristes partidas e sentiram na pele o incômodo de serem excluídos nos vários “Brasis” da nossa “Belíndia” tropical. Os diversos ais, gozosos e dolorosos, emitidos pelos migrantes, encontraram a companhia das letras de Luiz Gonzaga, Raquel de Queiroz, Patativa do Assaré, Graciliano Ramos, dentre outros, que fizeram uso de suas letras para narrarem as trajetórias sertanejas de Severinas vidas pagadoras de promessas. Vidas secas, com lamentos sertanejos de brasileiros que têm a esperança como profissão. Drama humano que segue sob trilhas sonoras inspiradas no encontro com a natureza e seus símbolos. Na aquarela musical nordestina da Asa Branca, os desejantes “cabras da peste” migram em busca de um lugar ao sol. Em uma viagem musical ao ano de 1983, encontro o disco “Coração Brasileiro”, de Elba Ramalho, e retiro da invisibilidade todos os migrantes com o canto da AVE CIGANA (Zé Américo/ Salgado Maranhão) que dá título a uma das faixas de um barulhinho bom e biscoito fino musical:
Ave de sertão, eu sei que sou
A terra me acompanha aonde vou
Dolente no meu jeito de cantar
E de viver seguindo
Ave de arribação
Asa de beija-flor
Meu coração assim cigano
É feito esse verão em teu olhar
Por onde passa o dia e passa a noite
Passa a canção
Passa um solar
Tanto luar sem fim
Pontas de recordações
Já cantei o sol no cimento
Da cidade
Já vivi tão só o lamento
Da saudade
Mas minha canção é retirante
É feito vagalume pelo ar
Brilhando em toda parte,
Em cada olhar
Em qualquer sertão,
Em qualquer coração
Brilhando em toda parte,
Em cada olhar
Em qualquer sertão,
Em qualquer coração