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PPGS020 - SEXUALIDADE, IDENTIDADES E SUBJETIVIDADES - Turma: 01 (2019.1)

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  • KUROSAWA EM DEFESA DA UFPI
  • 09/03/2019 22:14
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    TELA SOCIOLÓGICA (ANO 19): JUVENTUDE SEM ARREPENDIMENTO. DIA 12 DE MARÇO (2019). 16 HORAS. SALA DE VÍDEO II (CCHL/UFPI). A Tela Sociológica viaja para o ano de 1946 e apresenta mais uma obra clássica do mestre japonês Akira Kurosawa (1910-1998). Maestria telânica de um dos maiores diretores da arte cinematográfica. Simplicidade, sabedoria, profundidade, sutileza e beleza são palavras-chave para definir o cinema de um professor do seu ofício artístico. Um criador que combina o domínio técnico do fazer cinematográfico com um toque pessoal no modo como aborda os temas humanos. Kurosawa é um filósofo da linguagem visual. Suas criações são fontes de pesquisa para todos os interessados em compreender as ambivalentes motivações humanas. Seus personagens são marcados pelas suas complexidades. Não dá para ficar indiferente diante de uma tela que mostra o delicado olhar que Kurosawa lança sobre as delícias e as dores do ser humano. Na trilha literária shakesperiana, ele compreende a ambiguidade humana no seu potencial gerador de luzes e trevas. O repertório dos seus cultuados filmes justifica a ideia do “cinefilô”, de Ollivier Pourriol. Segundo a sua ótica, “as mais belas questões da filosofia” estão expostas “no cinema”. E eu complementaria: as da sociologia também. Kurosawa filosofa com as lentes de um arteiro com elevada capacidade de compreensão dos sentidos do verbo viver. O personalíssimo modo como monta “a imagem-movimento”, faz dele um grande autor cinematográfico, ou como diria Deleuze, uma personalidade autoral confrontável com um pensador. Um pensante movimentador de imagens.

    Em JUVENTUDE SEM ARREPENDIMENTO, Kurosawa constrói uma narrativa de densidade política para refletir sobre as consequências das escolhas que fazemos ao longo das nossas histórias de vida. De início, o contexto histórico onde estão situados os seus personagens, recebe o seu registro: “O incidente de Mukden, na Manchúria, em 1931, desencadeou o expansionismo japonês na China. Em nome da luta contra os “vermelhos”, os militares reprimiram os opositores. Professores e estudantes se mobilizaram contra esses atentados à liberdade. Foi a época do ‘caso da Universidade de Kyoto’”. Eis o quadro contextual em que são desenvolvidas as tramas individuais e coletivas dos protagonistas do drama de Kurosawa. Uma conflituosa conjuntura histórica que impactou nas dimensões comunitária e privada das existências de quem viveu os acontecimentos narrados. No campo universitário, surgem questões: como conciliar os estudos com o ativismo político? O que fazer diante das ameaças à liberdade de pensamento? E as éticas da convicção e da responsabilidade? E a posição de um “intelectual orgânico”? Perguntas que permanecem atuais e visceralmente ligadas aos valores norteadores das nossas vidas públicas e privadas. Desdobramentos subjetivos nos cotidianos de seres conscientes em uma sociedade de conflitos. Conformistas e resistentes estrelam em um campo de tensões.

    “Apesar de os fatos serem reais, os personagens nasceram da imaginação do autor”. Uma observação para reforçar os tênues limites entre a ficção e a realidade. Da imaginativa cabeça de Kurosawa, a narração não se limita ao plano conjuntural e atinge o micro espaço da instituição familiar. Ganha força a dimensão afetiva dos pais em relação aos filhos e do relacionamento entre os amantes. Kurosawa trabalha com conceitos amplos. A microfísica dos poderes atinge o “eu” e o “nós”, a casa e a rua. É o caso da filha que quer sair do espaço doméstico, romper com uma ordinária rotina cotidiana e escuta os sábios toques do pai professor: “A liberdade é fruto de um combate. Para atingi-la, devemos estar prontos a sofrer e assumir nossos atos. ...Além da liberdade cintilante saiba que há sacrifícios e responsabilidades a tomar”. Da sabedoria paterna kurosawana, viajo para evocar uma pérola das letras da Música Popular Brasileira: “o mundo é um moinho”. A sábia poética de Cartola em diálogo com o sábio discurso visual de Kurosawa: “Preste atenção, o mundo é um moinho/ Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos/ Vai reduzir as ilusões a pó/ Preste atenção, querida/ Em cada amor tu herdarás só o cinismo/ Quando notares, estás à beira do abismo/ Abismo que cavastes com teus pés”. Atentos aos sábios toques musicais e cinematográficos, em um diálogo intertextual, sabemos que pagamos preços pelas nossas escolhas. Perdas e ganhos. Ais gozosos e dolorosos. Corremos riscos. Ousamos. Capazes de dar guinadas existenciais e saltos qualitativos, arrumamos as malas e trilhamos as veredas da incerteza. Rupturas. Da água para o vinho. É o denso cinema de Kurosawa disparando reflexões. Nada de reducionismos e maniqueísmos. E ela, Yukie, deixa o lar paterno e dá uma guinada radical na sua vida. Com “duas mãos e o sentimento do mundo”, como poetizou Drummond, ela foi do piano à plantação de arroz. Ousada, mutante, decidida e intrépida, afirma e interroga para o seu engajado, atrevido e corajoso amor: “Uma vida sem arrependimentos. É nosso lema, não é?”

    Noge, o estudioso e politizado amante de Yukie, rotulado de “espião” pela fascista facção militar-industrial japonesa, explicita a consciência de que os resultados das nossas militâncias políticas não são imediatos: “O real sentido de nossa ação só será sentido em dez anos. O povo japonês nos será reconhecido”. Noge representa o jovem idealista, engajado e capaz de sacrificar a própria vida a serviço da causa que defende. Morreu na cela em que estava preso. Altruísmo político que rendeu aprendizados pessoais: “Pensei poder resolver meus problemas filiais mergulhando de cabeça nas ações que levo. Mas não funciona”. Militante, em pedagógico engajamento, passa a difundir as lições aprendidas. Referência fílmica para quem faz o movimento estudantil nos dias de hoje. JUVENTUDE SEM ARREPENDIMENTO exalta a importância da instituição universitária. Em meio aos tumultos da “tempestade do fascismo”, vozes estudantis afirmam a relevância de um particular território sapiencial e libertador: “Ó liberdade! Campus das liberdades, cara Universidade de Kyoto. Célebre torre de marfim, Meca de todos os saberes...”. “Sob a bandeira da união dos estudantes”, faixas e cartazes expunham libertárias mensagens: “Liberdade de expressão”; “Liberdade de ensino”; “Não abandonem a Universidade de Kyoto” e “Defenderemos o bastião do saber até a morte”. Reivindicações que, transpostas para outros contextos históricos, permanecem atuais. Atualidade magistralmente trabalhada por Akira Kurosawa em tempos idos. Um diretor cinematográfico do seu quilate conhece os acidentados caminhos por onde tem passado a humanidade.

     

     



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