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PPGS020 - SEXUALIDADE, IDENTIDADES E SUBJETIVIDADES - Turma: 01 (2019.1)

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  • DAVID BOWIE NA VIAGEM DE CHRISTIANE F.
  • 25/03/2019 00:19
  • Texto:

    TELA SOCIOLÓGICA: EU, CHRISTIANE F. 13 ANOS, DROGADA E PROSTITUÍDA. DIA 25 DE MARÇO (2019). 16 HORAS. SALA DE VÍDEO II (CCHL/UFPI). “Aos 12 era apenas um anjo do pó. Aos 13 abraçou a heroína. Aos 14 começou a frequentar as ruas...”. Um breve texto de um cartaz fílmico com o objetivo de chamar o público para assistir EU, CHRISTIANE F., 13 ANOS, DROGADA E PROSTITUÍDA. É o cinema na apresentação de um drama, no idioma alemão, para abordar uma questão universal: a dependência das drogas. A Tela Sociológica, mais uma vez, viaja para o ano de 1981 e reapresenta, no seu espaço telânico, uma provocativa e desassossegadora obra cinematográfica. Ulrich Edel dirigiu um impactante texto fílmico para narrar a trajetória histórica de Christiane F., a partir de um recorte geracional. “O retrato de uma geração”. “Baseado em uma história verdadeira”, o filme tem o seu marco etário em uma singularidade da vida de adolescentes e jovens. Somos convidados a acompanhar, na primeira pessoa, os desdobramentos subjetivos de quem, entre “picos” e “cheiradas”, expõe os prazeres e as dores de ser consumidor de “valium”, “mandrix”, “valeron”, “bola”, “heroína”, etc... . É no contexto histórico da Berlim da década de 70 (século XX) que vemos as “viagens” de Christiane e dos seus companheiros de “vício”. Detlev, Axel, Kessi, Babsie, Atze, Tina e Stela são alguns dos nomes pronunciados nos seus cruzamentos afetivos. É na discoteca Sound que Christiane inicia o seu contato com a linguagem dos usuários de drogas. Um “pico”, na comparação de um dos seus praticantes, é como “uma martelada”, “como um orgasmo”. No seu desejo de integração grupal, Christiane é levada a provar do “barato” oferecido no notívago ambiente dançante que frequenta. Não satisfeita apenas com o consumo de um “suco de cereja”, ela não quer ficar excluída da experiência de curtir outras sensações. Dá um basta no ficar só olhando os outros em seus experimentos e interroga: “Todo mundo se pica a não ser eu?”

    Dos jovens que já tinham experiência com o uso de drogas, eram emitidos toques de alerta para Christiane: “Pense mais um pouco”. Ela, curiosa, respondia: “...Só quero provar uma vez”. Recebia a seguinte resposta: “É o que todos dizem”. Confiante na sua capacidade de auto-controle, Christiane afirmava: “Tenho domínio total sobre mim mesma”. De Detlev, seu namorado, partiam reações contrárias aos desejos dela de entrar no universo do qual ele já tinha tido a sua iniciação. Ríspido, ele reagia: “Perdeu o juízo?”. “Sua mãe sabe onde você está?”. “...Tem que copiar o que faço?”. Na intenção de acompanhar Detlev, Christiane responde: “Queria saber o que sentia”. Para conseguir os “marcos” alemães, a moeda da época, ele atuava em um particular “trabalho”. Em um ponto da “estação central”, ele masturbava “bichas”. Profissional do sexo ou um michê, em uma viril prostituição masculina, atendia os seus clientes em um ofício que, segundo ele, era sinônimo de nojo: “É nojento, faço por grana”. Christiane também objetivando “descolar” grana, seguiu o “negócio” de Detlev. O casal entra no mercado de corpos. Nas vias do underground e na contraluz, a dupla, de station to station, entre pedidos, furtos e “punhetas”, atendia a um toque: “Tome algo também, antes que pire”.

    Os jornais estampavam manchetes sobre os óbitos resultantes dos excessos praticados pelos jovens viciados: “Ele começou a se drogar aos 14 anos. Num momento de desespero, tomou uma overdose”. Babsi, da turma de Christiane, também ocupou as páginas jornalísticas: “A mais jovem vítima das drogas em Berlim: ela tinha apenas 14 anos”. Foi em relação a ela, também recorrendo a programas de prostituição, que foi lançada a seguinte informação: “Ela engole tudo o que vê pela frente”. Mórbidas notícias atingindo faixas etárias juvenis. Jovens que tiveram as suas vidas ceifadas em tenras idades. A eles é dirigida a dedicatória fílmica: “Dedicado a Andreas W., “Atze” (1960-1977); Axel W. (1960-1977) e Babette D., “Babsie” 1963-1977) e a todos os outros a quem faltou a força e a sorte para sobreviver”. No réquiem sonoro, o “auxílio luxuoso” da trilha musical assinada pelo camaleônico David Bowie. Uma viajante sonoridade afinada com as emoções e os sentimentos dos personagens retratados. Imagens e sons sintonizados na tradução dos seus gozos, êxtases e agonias. David Bowie in Concert para o delírio dos seus fãs, em especial uma das suas curtidoras: Christiane F. Em um momento de desespero, ela chega a vender, em via pública, vinis (LP’s) do seu admirado artista.

    “Por que ele se matou?” Uma inquietante pergunta para ser pensada a partir de um filme que projeta subjetivações juvenis. Christiane passou a viver na companhia da mãe, após a separação conjugal materna. A irmã vai morar com o pai. Os jovens do círculo afetivo de Christiane transitam pelas ruas e estações de trem e os seus pais estão ausentes das cenas fílmicas. O “saco cheio” da rotina, o tédio, a monotonia do cotidiano, a falta de sentido existencial, o vazio, as carências econômicas, afetivas e um conjunto de outros elementos ligados a um mundo de aparências, frivolidades e decepções, potencializam para a busca de saídas diante dos enfados e náuseas existenciais. Em tal contexto de insatisfações, Christiane subjetiva o seu desconforto. Dá o seu grito de alerta diante da sujeira do mundo. Um pedido de socorro. Insatisfeita, desabafa com uma linguagem figurada e simbólica para expressar a sua inquietude: “A podridão está em toda parte. É só dar uma olhada. De longe tudo parece novo e impressionante com seus gramados verdes e shopping centers. Mas o mau cheiro é pior nas escadas dos prédios. O que as crianças podem fazer quando querem ir ao banheiro? Até o elevador vir já sujaram as calças e apanharam. Por isso preferem fazer nas escadas. ...Vivo aqui desde os seis anos. Com minha mãe, minha irmã e meu gatinho. Estou cheia de tudo isso”.

    Diante da gravidade dos seus estágios de dependência química, rebenta a vontade de ficarem “limpos”. Detlev explicita a sua intenção: “Temos que parar de usar droga”. Christiane também expõe o mesmo objetivo: “Também vou largar”. O casal de namorados tenta abandonar o vício, um ao lado do outro. Juntos, protagonizam uma das cenas mais fortes do filme. Em um mesmo quarto, representam uma desesperadora e dolorosa “crise de abstinência”. Suados e em contorções corporais, sentem na própria pele a agonia da falta de alguma substância para aplacar os ais dolorosos. Em angustiante situação, “só um ‘tiro’, para a dor”.

    Conseguiram eles as suas “limpezas”? Para quem acredita que basta uma “força de vontade” para a almejada libertação, recorramos a uma pluralidade discursiva para a compreensão de um complexo drama. Somos biopsicossociais. Não é assunto exclusivo dos médicos. Antropólogos, sociólogos, psicólogos, economistas, psicanalistas, pedagogos, advogados e outros profissionais têm uma contribuição a dar quando o tema de análise é a questão das drogas. Em um final aberto, de reticências, a narrativa fílmica dá voz para quem sabe o que sente após ter jogado uma substância em sua veia. Christiane continuou o seu trajeto e, no desfecho do seu telânico drama, dá sinal do seu paradeiro: “Sobrevivi. Vivo com minha avó e minha tia numa vila perto de Hamburgo. Há um ano vivo aqui, sem drogas. Ao pensar em Detlev, fico com medo. Ainda penso muito nele. Gostaria de lhe dar um pouco da minha força e ajuda. Mas antes, preciso recuperar minha energia”.

     

     



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