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PPGS020 - SEXUALIDADE, IDENTIDADES E SUBJETIVIDADES - Turma: 01 (2019.1)

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  • O QUE VOCÊ DIRIA PARA UM "PROFESSOR DA ESCURIDÃO"? (2)
  • 05/05/2019 23:09
  • Texto:

    O filme THE SUNSET LIMITED, dirigido por Tommy Lee Jones, aborda a questão do suicídio. No seu cartaz de divulgação, lemos a seguinte frase: Nothing is ever Black or White. Conteúdo frasal que sinaliza para a complexa abordagem desenvolvida na narrativa fílmica. A obra propõe um exercício reflexivo para o espectador que poderá experimentar uma situação parecida à projetada na tela. Qualquer um de nós, em uma extraordinária circunstância das nossas vidas, poderá evitar que alguém ponha um ponto final na sua vida. Passada a tensão do dramático momento, a dupla envolvida no emocionante episódio vai ter uma conversa, de portas fechadas, sobre o acontecimento por eles protagonizado. O homem responsável pelo ato “salvador”, tenta compreender as razões da radicalidade da tentativa do ato suicida. No seu empenho de convencer o seu interlocutor para que desista da ideia de suicidar-se, falando em nome de Jesus e fundamentado na Bíblia que está no aposento em que dialogam, vai encontrar diante de si um homem racional, ateu e com pensamento edificado em relação ao seu objetivo de ser o autor da sua própria morte. O que dizer para um professor consciente, letrado e determinado a praticar uma ação chocante e condenável por concepções morais e religiosas? Convido os leitores a posicionarem-se no lugar do personagem Black, que em evangélica performance, faz um esforço para tirar White do seu intento de fornecer mais um número para as estatísticas de “mortos voluntários”.

    Das provocações feitas por THE SUNSET LIMITED, elaborei as seguintes questões: 1) Nossas argumentações, em defesa da vida, apresentam consistência?; 2) Os sentidos positivos que produzimos sobre o estar vivo, são convincentes?; 3) O que dizer para quem professa viver no escuro de uma existência vazia, desprovida de sentido?; 4) Em quais referências pomos âncoras para continuar seguindo em frente? Perguntas disparadas por um texto cinematográfico que fundamenta o pensamento “cinefilô” de Ollivier Pourriol, visualizador das “mais belas questões da filosofia no cinema”. Descartes, em seu heroísmo filosófico e Spinoza, na sua “experiência da eternidade” em diálogos com os pensantes cinematográficos Andy e Larry Wachowski e Ridley Scott. Matrix e Blade Runner no repertório filmográfico do filósofo questionador.

    Na sequência, atentemos para os fragmentos de um discurso sombrio. São as fundamentações de quem não quer seguir vivendo. Imagine uma conversa com tal sujeito. O que você diria para ele? As palavras expressam os desdobramentos subjetivos de quem vive um breu existencial:

     “A sombra do machado paira sobre toda a alegria. Toda estrada termina em morte, cada amizade, cada amor. Tormento, perda, traição, dor, sofrimento, idade, indignidade, hediondas doenças duradouras. E tudo isso com uma única conclusão para você e todo mundo e cada coisa que você já tenha escolhido cuidar. Essa é a verdadeira fraternidade, a verdadeira comunhão. E todo mundo é sócio para sempre”.

     “A verdade é que as formas que eu vejo foram lentamente esvaziadas. Elas já não têm qualquer conteúdo. Elas são apenas formas. Um trem, uma parede, um mundo, um homem, uma coisa suspensos em articulação sem sentido, uivando no vazio sem sentido, na vida, suas palavras. Por que eu ia querer a companhia de uma coisa dessas? Por quê?”

    “Eu sou um professor da escuridão. A noite em roupas do dia”.

    “Eu não considero o meu estado de espírito como uma visão pessimista do mundo. Eu considero como o mundo é. A evolução não pode evitar trazer vida inteligente para a consciência de uma coisa e uma coisa acima de tudo. E essa coisa é futilidade”.

    “Se as pessoas pudessem ver o mundo como realmente é, ver as suas vidas como realmente são, sem sonhos ou ilusões, não acredito que poderiam dar um motivo por que eles não devem escolher morrer o mais rápido possível. Eu não acredito em Deus. Você entende isso? Olhe a sua volta, cara. Não vê? O clamor e o ruído daqueles em tormento deve ser o som mais agradável ao ouvido”.

    “Mostre-me uma religião que lhe prepara para o nada, para a morte. Essa seria uma igreja que eu entraria. A sua só prepara as pessoas para mais vida de sonhos, ilusões e mentiras. Bane o medo da morte dos corações dos homens. Eles não iriam viver um dia”.

     “Eu vejo os outros passageiros como ocupantes do mesmo abismo em que eu me encontro. E se eles veem como algo diferente, eu não sei como isso me torna especial”.

    “Os meus próprios motivos são por uma perda gradual de faz de conta, uma iluminação gradual quanto à natureza da realidade do mundo”.

    “É que o mundo é basicamente um campo de trabalhos forçados no qual os trabalhadores, inocentemente são sorteados, todos os dias, para serem executados. Eu não acho que é como eu vejo. Acho que é assim que é. Há visões alternativas? Sim. Será que algum deles chega perto de um exame minucioso? Não”.

    “É contrário à condição humana. ...Nós nascemos nisso. Sofrimento e destino humano são a mesma coisa. Cada um é uma descrição do outro. ...Não dá para ser feliz se está sofrendo”.

    “Eu anseio pela escuridão. Eu rezo pela morte, pela morte verdadeira. E se eu achasse que na morte eu conheceria as pessoas que conheci na vida eu não sei o que eu faria. Isso seria o maior pesadelo. Se eu achasse que eu ia conhecer a minha mãe de novo e começar de novo só que desta vez sem a perspectiva de aguardar pela morte, isso seria o pesadelo final, Kafka em rodas”.

    “Você desiste do mundo linha por linha. Você vira cúmplice da sua própria aniquilação. Não tem nada que se possa fazer. Tudo que você faz fecha uma porta em algum lugar no seu futuro. Finalmente só resta uma porta”.

    “O seu Deus deve ter ficado em uma madrugada de infinitas possibilidades e é disso que ele é feito. Você me diz que eu quero o amor de Deus. Eu não quero. Talvez eu queira perdão, mas não tenho para quem pedir. E não tem volta. Não há como endireitar as coisas. Só há a esperança de nada. E eu me apego nessa esperança”.

    As falas anteriores foram emitidas por quem comunga com os “irmãos em autodestruição e desespero”. Um sujeito que, da “primazia do intelecto”, explicita a sua concepção de mundo. O seu interlocutor, na sua boa vontade de tirá-lo da posição abismal em que se encontra, fica perturbado com as poderosas colocações do professor. Black foi desafiado por um suicida “de classe”, emissor de motivos “mais inteligentes e elegantes” para não querer continuar vivendo. Impactado pelo poder argumentativo do seu acompanhante, ele é colocado em um “território desconhecido”. A sua “pregação” parece não ter afetado o homem decidido a não desistir do seu mortífero objetivo. A loquacidade intelectual de White confunde o “pastor” em sua salvífica intenção. No final, após a saída de cena da sua “ovelha”, em jobiana postura, invoca o seu Deus cristão para esclarecê-lo na confusão mental em que foi posto por conta do seu propósito de ajudar um “ocupante do abismo” existencial: “Eu não entendo por que você me mandou lá. Eu não entendo. Se você queria que eu o ajudasse, por que não me deu as palavras? Você dá para ele. E eu?”

     



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