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PPGS003 - SEMINÁRIO DE PROJETO - Turma: 04 (2019.2)

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  • TEM GRAPETE NA GELADEIRA DO BOCA DE OURO
  • 15/09/2019 23:55
  • Texto:

    TELA SOCIOLÓGICA: BOCA DE OURO. 17/09/2019. 16 HORAS. SALA DE VÍDEO II(CCHL/UFPI). Boca de Ouro, tragédia carioca em três atos, é um texto referência na dramaturgia teatral brasileira. Assinado por Nelson Rodrigues, foi montado pela primeira vez no ano de 1960. Em 1963, a peça rodrigueana ocupa as telas com o filme de Nelson Pereira dos Santos. Dupla de Nelson(s), sinônimos de consistência literária e artística. Grandes nomes para a galeria dos clássicos criadores do Brasil. O personagem Boca de Ouro é um presente para um ator interessado em interpretar uma criatura nas suas múltiplas nuances humanas. Tragicômico, dúbio, contraditório, representa um ser humano multifacetado, onde não cabem maniqueísmos. Boca assassina, seduz a mulher dos outros e com o patrimônio construído na sua vida de bicheiro contraventor, concretiza uma vontade dos seus tempos de criança: “...desde garotinho que quero ter uma boca de ouro...”. Da “pia de uma gafieira”, onde nasceu, em precárias condições, aos seus dourados projetos fúnebres, acompanhamos a trajetória espetacular de um homem sob medida para as lentes sensacionalistas das mídias e seus abutres. Em cena, entra a malícia de Caveirinha buscando furos jornalísticos com crimes e assassinatos bacanas de quem finalmente vai vestir um “pijama de madeira”. Nas páginas dos jornais, o colunável Boca torna-se o “Drácula de Madureira”. Banqueiro do bicho, vira celebridade da nata da malandragem. Fama construída em torno das pilantragens e falcatruas cometidas por um representativo sujeito da cultura do país das chuteiras onde foi parido. “O Sol” nas bancas de revista estampa as imagens do famoso bicheiro. Cria da construção jornalística, Boca identifica-se: “Eu sou apenas o que o jornal diz”.

    Nelson Rodrigues retrata as contradições dos Brasis em suas vidas públicas e privadas. Em um texto crítico, sintoniza com as leituras socioantropológicas comprometidas com os desvendamentos das máscaras sociais. Boca, na sua “brilhante carreira do crime”, segundo o repórter que cobria a notícia da sua morte, “matava com uma mão e dava esmola com a outra”. Indivíduo paradoxal em atividade assistencialista na cidade descuidada pelo poder público. Filantrópico onde os governantes irresponsáveis abrem espaço para que os “Bocas” façam as suas caritativas ações em prol de um “estado de bem-estar”. Reside aqui um dos motivos deles ganharem a simpatia popular. Parte do dinheiro que adquirem no mundo do crime é destinado a doações para os desassistidos que batem nas suas portas.

    No caso de Boca, até as grã-finas recorriam aos seus préstimos filantrópicos. Sedutor, elas caíam na sua carismática lábia e ele não perdia a oportunidade de curtir com as suas caras, desvelando as hipocrisias e falsos moralismos de uma sociedade de aparências e farsas. Dondocas e Vips em desvelamento literário. Em um embate classista, desnuda as “galinhas” de grife da elite defensora da moral e dos bons costumes. Na sua experiência monetária, Boca sabe do fascínio do dinheiro sobre as pessoas. Diante das propostas que envolvem grandes quantias financeiras, quem consegue manter-se fiel aos seus sagrados princípios e valores? Sabedor da existência de gente que topa tudo por dinheiro, Boca testa os que cruzam o seu caminho, oferecendo grana e jóias de valor em troca da satisfação dos seus apetites. Na sua residência, um trio feminino de respeitáveis madames participa de um “concurso de seios” por ele proposto. Bonitinhas, mas ordinárias. A vencedora ganharia um valioso colar. Pudores vencidos, elas mostram os seus peitos para o jurado único. Nelson Rodrigues conhece a matéria de que somos feitos e penetra nas profundezas das forças que mobilizam as ambivalências pessoais. Nosso destino é “pecar”?

    Boca emite cortantes pensamentos: “...Dinheiro não desacata ninguém!”. Relações mercantis mediam os contatos cotidianos. É o mercado regendo, com cálculos e dividendos, os relacionamentos afetivos. Boca, no seu status midiático de “Al Capone”, de “Dom Quixote do jogo do bicho”, experimenta a cotidiana lógica racional capitalista. O poder fascinante e o deslumbramento de estar incluído na sociedade dos consumidores. “Compro, logo sou”. Da pobreza dos tempos pretéritos ao acúmulo financeiro da fase adulta, Boca ostenta a postura de quem pode possuir e comprar tudo o que é objeto do seu desejo. Sob o encalço policial, ele entra no espírito do jogo e investe na lista dos seus objetivos: “...Doutor, quanto custa um caixão de ouro?” Pergunta feita a um dentista que, sob pressões armadas e munidas de muitas cédulas, cedeu à tentação anti-ética de atender a uma ordem de um endinheirado Boca: “O Senhor vai arrancar todos os dentes, porque eu quero uma dentadura de ouro!”. Tarefa dada por um “Deus asteca” macho, cafajeste e suburbano. No seu particular crepúsculo divinal, o encontro com a morte. Pelas mãos de uma mulher, o bandido Boca recebe 29 punhaladas. No necrotério, a estrela assassinada, em “apoteose fúnebre nunca vista”, é visualizada na imagem de “um cadáver desdentado”.



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