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PPGS003 - SEMINÁRIO DE PROJETO - Turma: 04 (2019.2)

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  • DE 1942 A 2019, COMO ESTÃO AS AMÉLIAS?
  • 24/09/2019 22:33
  • Texto:

    Revivendo músicas, viajamos para a década de 40 (século XX) e encontramos a figura solar do multifacetado artista Mário Lago (26/11/1911 – 30/05/2002). Em “A Canção no Tempo”, Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello apresentam um versátil talento: “Radialista, ator, compositor, Mário Lago é um dos grandes letristas brasileiros, parceiro de Custódio Mesquita, Ataulfo Alves, Roberto Martins e outros bambas”. Duas das letras de Mário deram conteúdo ao encontro do dia 10 de setembro de 2019 na disciplina Música Popular Brasileira e Encontro de Gerações, ministrada no Programa Terceira Idade em Ação da Universidade Federal do Piauí. Para refletirmos sobre as novas feminilidades e masculinidades em construção, nos dias de hoje, encontramos âncoras em uma dupla de famosas mulheres criadas pela imaginação poético-musical de Mário Lago: AI, QUE SAUDADES DA AMÉLIA (em parceria com Ataulfo Alves) e a marcha AURORA, composta com o parceiro Roberto Roberti. A primeira mulher, protagonista de um samba lançado em 1942, apresentou para o Brasil aquela que seria tomada como símbolo das mulheres objetos, submissas e dominadas sob o jugo masculino. As “amélias, no imaginário social brasileiro, viraram sinônimo de aceitação feminina das ordens e mandonismo dos machos. Na cama e na mesa, serviçais fêmeas a serviço dos seus donos, os chefes familiares. Em um exercício de contextualização histórica, recorro ao comentário de Abel Cardoso Junior para esclarecer sobre a controvertida Amélia de Mário e Ataulfo. As feministas brasileiras precisam conhecê-la, a de carne e osso que inspirou os seus criadores musicais. Quem foi ela? Merece a fama imaginária, “machista”, que atravessa gerações? Vamos para o registro histórico de Abel: “Samba antológico de Mário Lago e Ataulfo Alves, lançado no Carnaval de 1942. Aracy de Almeida tinha uma ótima empregada de nome Amélia. Seu irmão Altamir, baterista, vivia gabando no meio musical as qualidades da mesma: “Amélia, aquilo sim é que é mulher de verdade!” Ataulfo apanhou a ideia e pediu versos a Mário Lago. Como não encontrasse cantor disposto a gravar o samba, Ataulfo teve de gravá-lo ele mesmo com sua Academia de Samba. Achavam o samba ruim! Jacob do Bandolim também está na gravação. Os versos seriam mais tarde considerados machistas pelas feministas. Mário Lago contestou: “É uma música de solidariedade. É a solidariedade debaixo da ponte, da mulher que nos momentos difíceis não amargura a sua vida!”.

    Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello consideram AI, QUE SAUDADES DA AMÉLIA! uma “obra-prima”, um “primoroso poema popular, coloquial espontâneo”, um samba carnavalizado da “época de ouro”, concebido pelo letrista “esquerdista” Mário Lago, marcante presença em uma história da música popular brasileira. Uma nota escrita no CD “Mário Lago – 90 Anos”, registra a militância política do cidadão engajado em múltiplos veículos: o literário, o teatral, o radiofônico e o televisivo transmitiram a voz de um artista combativo: “Fora do mundo da arte, era o militante político sempre escalado para encabeçar as listas da repressão”. Do engajamento para o festivo carnaval, apresento mais um nome de mulher escrito pelo amante, na poesia de Mário. Tudo é história e vamos para o momento histórico em que AURORA era cantada entre confetes e serpentinas: “Marcha carnavalesca com Roberto Roberti, obrigatória em qualquer antologia, lançada em 1941 na voz de Joel e Gaúcho. Nesse mesmo ano, teria 2 gravações nos Estados Unidos, pela Andrews Sisters e por Aurora Miranda. Joel e Gaúcho também a cantaram em Céu Azul, filme carnavalesco da Sonofilmes, de 1941. Cantado pelas Andrews Sisters no filme Segure o Fantasma (Hold the Ghost), da Universal, em 1941”.

    As amélias que dizem amém às ordens patriarcais, vivem rotinas que privilegiam os homens e subordinam as mulheres. Estão, segundo Raewyn Connell, inseridas em uma economia global que atua sob a hegemonia internacional de um “patriarcado modernizado”. Na conjugação do verbo desconstruir, dirigidas por “uma epistemologia feminista”, pensadoras e militantes experimentam pedagogias e práticas educativas feministas no contexto de uma construção escolar das diferenças. É a “escolarização dos corpos e das mentes” que vem desconstruindo, pluralizando os gêneros, enfrentando desafios, tensões e promovendo alianças e subversões. A mulher visível, no investimento pedagógico de Guacira Lopes Louro, luta pela sua liberdade e independência econômica na trilha do feminismo aberto por Simone de Beauvoir. Bandeiras tornam-se objeto de estudo quando evocamos as referências teóricas do pensamento feminista brasileiro. Entre elas é destacado o nome de Heleieth Saffioti em seus estudos sobre violência de gênero. Feminismos plurais colocam as mulheres, de todas as cores, como sujeitos ativos e resistentes. Combativas no “mundo patriarcal e machista”, são empurradas “para a frente” na pronúncia dos verbos expandir, fortalecer e conquistar. Entre histórias e conversas, elas, do século XXI, são seres substantivos e conforme a visão de Mary del Priore, “feitas de rupturas e permanências”. Do intelecto sociológico para o artístico, o investimento dialogal entre saberes desvendadores. Sociólogos e poetas, em suas especificidades textuais, ampliam os olhares lançados sobre as urgentes e relevantes questões dos nossos paradoxais tempos. Seguem as memoráveis mulheres paridas pela literatura sonora de Mário Lago e seus companheiros de concepção musical:

     

    AI, QUE SAUDADES DA AMÉLIA!

    Nunca vi fazer tanta exigência

    Nem fazer o que você me faz

    Você não sabe o que é consciência

    Não vê que eu sou um pobre rapaz

    Você só pensa em luxo e riqueza

    Tudo o que você vê você quer

    Ai meu Deus, que saudades da Amélia!

    Aquilo sim é que era mulher!

     

    Às vezes passava fome ao meu lado

    E achava bonito não ter o que comer

    Quando me via contrariado

    Dizia: Meu filho, o que se há de fazer!

    Amélia não tinha a menor vaidade

    Amélia é que era mulher de verdade

    AURORA

    Se você fosse sincera

    Ô ô ô ô

    Aurora

    Veja só que bom que era

    Ô ô ô ô

    Aurora

     

    Um lindo apartamento

    Com porteiro e elevador

    E ar refrigerado

    Para os dias de calor

    Madame antes do nome

    Você teria agora

    Ô ô ô ô

    Aurora!

     



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