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PPGS003 - SEMINÁRIO DE PROJETO - Turma: 04 (2019.2)

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  • A MARIA MADALENA DE KIESLOWSKI
  • 29/09/2019 23:15
  • Texto:

    TELA SOCIOLÓGICA: NÃO COMETERÁS ADULTÉRIO. 01/10/2019. 16 HORAS. SALA DE VÍDEO II (CCHL/UFPI). É em nome do amor que Tomek invade a privacidade de Magda e, da janela indiscreta do seu prédio, espia a mulher alvo da sua atração amorosa. Munido de uma luneta roubada, do alto do seu edifício residencial, focaliza os movimentos dela, em particular os encontros íntimos que ela agenda com os seus amantes. Tomek tem 19 anos, trabalha no Correio, não tem namorada e é capaz de arquitetar variadas estratégias para ver e ter Magda sob o seu raio de visão. Alguns dos meios que aciona para atingir os seus objetivos afetivos, são questionáveis do ponto de vista moral. No cerco que realiza em torno da sua amada, passa a ser entregador de leite, inventa falsas notificações para que ela compareça ao posto em que ele trabalha, envia os caras do gás para perturbar o namoro de Magda e rouba as cartas que são remetidas a ela. O que leva Tomek a tais armações? Quando é descoberto o seu invasivo comportamento, Magda interroga o seu jovem espião: “Diga, por que me espia?”. Ele responde: “Porque eu te amo”. Em seu tempo de espionagem, Tomek ousa dizer que ela foi vista como proprietária de um B. T. Q. G. D. (“Belo Traseiro Que Gosta de Dar”). Revelação atrevida partindo de um rapaz inexperiente, do ponto de vista sexual, contido e misterioso no tocante à sua ancestralidade familiar. Mora com a mãe de um amigo que está longe da companhia materna e menciona a sua passagem por um orfanato. Quanto aos seus pais, é enfático em afirmar que eles estão ausentes das suas lembranças: “Não, deles não”. Estranho, carente, solitário, Tomek suscita questões a um psicanalista que vá vê-lo na tela. O que ele projeta na figura feminina que persegue? Entre ele e Magda há uma distância etária. Ela, face a face com Tomek, no espaço interno do seu apartamento espiado, em um momento de sensual excitação, assume um ar professoral do topo da sua experiência com outros homens: “Uma mulher que deseja um homem fica molhada por dentro e é assim que estou agora”. Magda fica afetada diante das investidas do seu indiscreto observador. Sob o impacto do contato ao vivo com a bela fêmea, um confuso e abalado Tomek chega em sua residência e corta os seus pulsos. Atitude a inquietar o espectador afetado pela estranheza comportamental de um personagem criado em uma narrativa de elipses sobre a sua história de vida. Como foi a infância de Tomek? E as suas relações familiares? Perguntas para estimular a imaginação de quem assiste uma criação artística inteligente e que convida o seu público a viajar junto da autoria de um filme aberto.

    NÃO COMETERÁS ADULTÉRIO é o sexto mandamento do Decálogo cinematográfico de Krzysztof Kieslowski. Obra densa, sem cunho moralista e desprovida de proselitismo religioso. É o criador de complexas situações existenciais dentro das quais nos enredamos e onde não são encontradas soluções fáceis para os dilemas enfrentados. As múltiplas pressões que recebemos para que tomemos as nossas decisões colocam em teste os valores que pautam as nossas vidas. Muitas vezes ficamos divididos, em estado de conflito sobre a saída a ser encontrada. Dúvidas, incertezas, vacilações e falta de firmeza nas múltiplas escolhas que aparecem nas nossas caminhadas. Os limites, as coerções e os condicionamentos que pesam sobre os caminhos a seguir, revelam potências e fragilidades. Somos Hércules, Jó, Hamlet, Pilatos e Maria Madalena. Humanos em demasia. Kieslowski exibe um texto fílmico de densidade filosófica, sociológica e psicanalítica. NÃO COMETERÁS ADULTÉRIO e outras criações Kieslowskianas são profundas nas suas capacidades de montar labirínticas circunstâncias com as quais lidamos nos nossos cotidianos. Na hora do “você decide”, a testagem da nossa formação moral e ética. Tem ela alicerce? Em meio aos desassossegos em torno do que fazer, encaramos os nossos limites humanos. No politeísmo dos deuses comandantes das nossas rotinas diárias, somos forçados a tomar posições e aqui ecoam as vozes afirmando que nada é simples. Nas cores do cinema concebido por Kieslowski, pensar é um verbo chave. Da genética lei mosaica ao seu cumprimento pelas carnais criaturas humanas, há um abissal trajeto a percorrer. Até o “Diabo” desconfia das intenções dos humanos mortais. Diante dos adúlteros(as) do nosso espetáculo existencial, quem ousa atirar a primeira pedra?

    É na trilha teórica de Gilles Deleuze que inscrevo nomes de cineastas como “parte da história da arte e do pensamento”. A inscrição de hoje é a de Krzysztof Kieslowski. Pensando com “imagens-movimento e com imagens-tempo”, os “grandes autores de cinema” são confrontáveis com pensadores. Pier Paolo Pasolini é citado pela “consciência poética” com a qual diagnostica a nobreza e a podridão, marcas características da nossa humanidade. Através dos seus ambivalentes personagens, percorre a baixeza, o bestial, o abjeto e o sacralizante que fazem parte dos nossos paradoxais comportamentos. Na sua proposta de adequar cinema-literatura, Pasolini discursa na “imagem-percepção” captadora das nossas ambiguidades. Ele percebe as nossas potencialidades geradoras de claridades e breus: “É esta permutação do trivial e do nobre, esta comunicação do excrementício e do belo, esta projeção no mito que Pasolini já diagnosticava no discurso indireto livre como forma essencial da literatura. E consegue fazer dela uma forma cinematográfica capaz tanto de graça quanto de horror”.

    Outra personalidade cinematográfica a ser reverenciada, na sua potência de pensante realizador, é Luis Buñuel. No seu naturalismo e realismo, filmou os crucifixos e os punhais que acompanham as históricas caminhadas humanas. Na trilha das “vias biopsíquicas”, e particularizando as sociais, projetou a santidade, a criminalidade e a sexualidade, reunidas e intercambiáveis nas nossas ações. No seu inventário dos comportamentos perversos, Buñuel enquadrou as vozes diabólicas, santas e os “fetiches do bem e fetiches do mal” produzidos por gente bondosa e tendente à ruindade. Na tela, homens e mulheres exibem o objetivo e o destino das suas pulsões. Rompendo barreiras classistas, o pensador Buñuel mostra a ambígua substância de que somos feitos. Pobreza e riqueza são duas faces das perversas criaturas que participam dos nossos convívios. Os degradados filhos de “Eva”, em suas perversões, acendem velas para Deus e o Diabo. Em simbólica linguagem, Buñuel dá “um papel espiritual” para a perversão nossa de cada dia: “...Não são somente os pobres e os ricos que participam da mesma empresa de degradação, são também os homens de bem e os homens santos”. Empreendimento sintonizado com um conhecido dito popular: “Devagar com o andor porque o santo é de barro”.



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