-

PPGS003 - SEMINÁRIO DE PROJETO - Turma: 04 (2019.2)

Visualização de Notícia
  • MART'NÁLIA CANTA "O BRANCO MAIS PRETO DO BRASIL"
  • 11/10/2019 12:16
  • Texto:

    Na promoção de encontros musicais intergeracionais, em 2019 ouvimos o CD MART’NÁLIA CANTA VINICIUS DE MORAES. Biscoito fino. A cantora e o compositor homenageado fazem parte de “uma história da música popular brasileira”. O nome de Vinicius de Moraes (1913-1980) fulgura como “um dos principais modernizadores da canção brasileira”. No registro histórico de Jairo Severiano, é uma marcante figura no tempo da modernização musical no nosso país. Ao lado de João Gilberto e Tom Jobim, Vinicius é um consagrado artista da “santíssima trindade da bossa nova”. A MPB continuou em processo de renovação na virada do milênio e a voz de Mart’nália é citada em um passeio panorâmico pelos seus tempos históricos. Em texto livre, ela saúda e agradece a uma personalidade referência na cultura brasileira. Relendo Vinicius, vocaliza, do seu jeito, tocantes criações de um arteiro de poemas. Com o parceiro Baden Powell, Vinicius lega aos sambistas o seu “bocado de tristeza” para embelezar o balanço da mulata. Astral luminoso de um “Samba da Benção” para tocar que “...É melhor ser alegre que ser triste/ A alegria é a melhor coisa que existe/ É assim como a luz no coração”.

    O CD MART’NÁLIA CANTA VINICIUS DE MORAES traz 14 faixas sonoras e conta com as participações especiais de Maria Bethânia, Carla Bruni e Toquinho. Para os objetivos da disciplina “Música Popular Brasileira e Encontro de Gerações”, selecionamos dois textos musicais do seu repertório: “Tarde em Itapoã” (Vinicius de Moraes/Toquinho) e “Eu Sei que Vou te Amar” (Vinicius de Moraes/Tom Jobim). A audição desta última é precedida pelo “Soneto do Corifeu” (Vinicius de Moraes), escolhido e recitado pela “alteza” Maria Bethânia. Na estação fonográfica brasileira, em suas paradas de sucessos, Vinicius de Moraes e Tom Jobim colocaram conteúdos musicais para a expressão afetiva dos amantes. A dupla de compositores “também foi fundo no romantismo”. Os dois estão na capa do livro “101 Canções que Tocaram o Brasil”, escrito por Nelson Motta com a colaboração de Antônio Carlos Miguel. Entre a centena de tocantes composições selecionadas, “Eu Sei que Vou Te Amar” (1958) e “Tarde em Itapoã” (1971).

    A poesia de “Tarde em Itapoã” disparou uma reflexão sobre os significados de um viver poético desafinado com uma rotina diária estressante, tensa, medrosa, utilitária e calculista. Como dar pitadas poéticas que temperem um cotidiano recheado de preocupações e situações desconfortantes? No meio de tanta conta para pagar, decepções políticas e notícias trágicas, esquecemos que uma bela lua cheia é a estrela noturna de um dia de correrias. Uma corrida maluca. “Tempo é dinheiro” e assim seguimos em processo de robotização. Rumo ao pós-humano? A Sociologia, nas lentes críticas de Manuel Castells, acessa indignadas e esperançosas redes na denúncia de um “sistema econômico impiedoso” : “o autômato computadorizado dos mercados financeiros especulativos com a carne humana do sofrimento cotidiano”. Pressa cotidiana. Reuniões empresariais, em pé, para a aceleração do seu término. Dependência dos nossos aparelhos portáteis, móveis e eletrônicos. Eles materializam os nossos atuais confessionários. Tempos líquidos. Excessos digitais. Compro, logo sou. Sou visto, logo existo. Incertezas, turbulências e desorientações. Com o amor e a sabedoria, Edgar Morin pensa a “necessidade de uma hiperpoesia” criada em resposta a uma “hiperprosa” expansionista, “econômico-tecnoburocrática”, administrada por especialistas e articulada “à expansão de um modo de vida monetarizado, cronometrado, parcelarizado, compartimentado, atomizado”. Morin vai além das atividades prosaicas, ligadas às satisfações materiais, e dá visibilidade ao complexo homo sapiens demens. Festeiro, jogador, dançarino, alegre, amoroso e extático. Rompendo com visões unilaterais, mostra que o trabalhador demanda por fazeres poéticos. Sobra uma horinha para curtir o vento balançando a exuberante palmeira imperial dos nossos quintais?

    Na hora do almoço, a TV ligada nos programas barras pesadas que promovem o espetáculo da violência. Cenas violentas viram entretenimento. Vídeos cacetadas. Os abutres midiáticos garantem elevados índices de audiência para os seus canais televisivos. Os chapeuzinhos vermelhos e amarelos atualizam os nossos medos diários. Na sociedade telânica, vigilantes câmeras ocupam todos os espaços. Como sorrir diante de quadros tão desalentadores? A barbárie, o grotesco e a indelicadeza viralizam. “O país da delicadeza perdida”. Mais uma vez evoco o lirismo de Chico Buarque. E é na companhia das letras de Vinicius de Moraes, cantadas no estilo personalizado de Mart’nália, que refletimos sobre o canto periférico em que colocamos as experiências poéticas. As marinhas ondas da Itapoã baiana, contempladas na escrita de Vinicius, excitam o nosso pensamento para que façamos uma revisão sobre as lógicas e racionalidades condutoras das nossas existências. Reduzir a amplitude multidimensional de nossas vidas a ações produtivistas, limitadas à dimensão profissional, workaholic, é empobrecer uma existência prenhe de múltiplas possibilidades. O que está em jogo é a nossa saúde integral, em especial a das nossas mentes. Produzir sim, mas também brincar, relaxar, namorar e meditar. Ais gozosos. Lazer, ludicidade e diversões variadas trazem animação e encantamento para um mundo competitivo, mercadológico e desumanizado. Poetizar a vida vai além da leitura de um poema de Fernando Pessoa. No telhado da vizinha, a simples e gratuita contemplação das poses feitas por um gato, um felino representante da beleza natural, traz uma pitada de leveza para os pesos suportados na rotina cotidiana. Por uma vida menos ordinária. Na McDonaldizada sociedade em que vivemos, em seu veloz fast food, é salutar abrir uma brecha temporal para a curtição da gratuidade dos belos espetáculos naturais. Um toque dado pelo poetinha Vinicius de Moraes que permitiu-se tirar “o dia pra vadiar”.



Voltar

SIGAA | Superintendência de Tecnologia da Informação - STI/UFPI - (86) 3215-1124 | sigjb06.ufpi.br.instancia1 vSIGAA_3.12.1089 22/07/2024 14:19