-

PPGS013 - TEORIA SOCIOLÓGICA I - Turma: 01 (2020.1)

Visualização de Notícia
  • "...ESTE MUNDO DE BANDIDOS E DE PROSTITUTAS".
  • 01/03/2020 23:04
  • Texto:

    TELA SOCIOLÓGICA: A DAMA DAS CAMÉLIAS. 03/03/2020. 16 HORAS. SALA DE VÍDEO II (CCHL/UFPI). Uma obra desveladora da sociedade camarotizada do século XIX. Paris é o palco principal do desvelamento sociológico promovido pelo romance “A Dama das Camélias”, de Alexandre Dumas Filho. Sociologia e literatura, em diálogo, ampliam as nossas visões sobre a complexidade das relações sociais. Rompendo as barreiras disciplinares, o sociólogo vai ao cinema e vê a versão de Mauro Bolognini para o citado texto clássico francês. Nas cenas filmadas no teatro vão ser apresentados alguns personagens representativos da época focalizada. Figuras que retratam os valores de um contexto histórico a ser narrado pela ótica das cortesãs. Ardentes amantes nos seus libertinos relacionamentos com os duques ricos. Narrativas textuais descortinadoras das práticas veladas dos indivíduos sob o peso coercitivo da moral disciplinadora dos seus comportamentos. No ambiente teatral dos camarotes vips, somos apresentados a alguns atores que dão vida a um cotidiano de aparências. Quem é a Senhorita de Valnoble? “Ex-prostituta. Hoje mulher de um banqueiro. Creio que é filha do bispo de Metz”. Eis uma via de ascensão social. Apresentação significativa que dá o tom narrativo e desvendador das letras de Alexandre Dumas Filho. E seguem as desveladoras apresentações dos camarotizados: “O segundo da direita é o Conde Olympe Aguado. As mulheres o sustentam. O loiro é o Conde Agenor de Guichê, herdeiro de uma grande família. Vê aqueles dois? São chamados de ‘os leões’, são irmãos gêmeos. Caçadores de menores. Comem e fumam ópio. Aquelas três são os partidos mais desejados”. Fala proferida por quem não tem acesso a um camarote frequentado pelos colunáveis do referido período histórico. Em tela, o outro lado, a faceta “debaixo dos panos” segredada, referente às intimidades pessoais escondidas. A contribuição sociológica das páginas literárias é exemplificada pelos escritos dos literatos sensíveis às contradições sociais e ambiguidades humanas. Rostos mascarados no trânsito entre as esferas públicas e privadas das nossas trajetórias cotidianas.

    A “Dama das Camélias” narra a história de uma cortesã na companhia dos seus “protetores”. “A nova protegida do Conde Stackelberg”. Nestes termos, ela era apresentada nos comentários dos salões. Identidade construída em função do nome do protetor. Quem é ela? “Marie de Plessis, a nova dama das camélias. Ex-Alphonsine de Plessis, ex-condessa de Perregaux, a divina Marie”. Empoderada, ela assumia uma postura de voz ativa, direta, clara nos seus objetivos: “Quero um amante sem vontade própria. Sem suspeitas e sem pretensões. ...Um amante sem direitos”. Regras e códigos regem o mercado dos corpos. Na manutenção do consumismo de um estilo de vida luxuoso e exibicionista, a fonte monetária procede das múltiplas parcerias. Alphonsine gasta e precisa de crédito para pagar as suas caras escolhas. Na prostituição de luxo, a demanda por mais de um banqueiro. O acordo mercantil não inclui posse exclusiva. Ela segue os seus princípios cortesãos: “Não quero me aproveitar de um homem que irei trair”. Mercadoria valorizada dita o preço da carne a ser consumida: “De agora em diante, os homens que quiserem exibir-se com uma Condessa no teatro ou nas corridas, precisarão me pagar mais. É tudo”.

    Ancorada nas suas experiências afetivas e sexuais, Alphonsine sabe do poder feminino: “As mulheres podem tudo, quando são hábeis”. Ela lança um outro olhar sobre o seu condenável exercício profissional: “...Mas saiba que amo esta vida infernal. Porque me dá prazeres que você não pode entender”. Subjetivação reveladora da positividade de um ofício historicamente visto como pecaminoso, degradante e limitado à imposição de uma necessidade financeira. O lado prazeroso da atividade fica ofuscado pelas suas conotações negativas. A prostituição mostrada pelo que ela oferece em experiências deleitantes. Discurso proferido por quem conhece por dentro o ser uma puta assumida: “E eu sou uma prostituta. Uma prostituta que cospe sangue e gasta cem mil francos por ano. ...Boa para um velho cheio de dinheiro como o Conde Stackelberg. Todos os amantes jovens que tive me abandonaram de um dia para outro”. Confissões de uma mulher determinada e frágil de saúde: “Sofre dos pulmões”. Tosse pontuando as falas reveladoras do seu condenado universo existencial. Voz professoral emanada da vivência de quem conhece o underground das aventuras humanas: “Sabe como se reconhece uma concubina bem-sucedida? Não tanto pelo camarote no teatro, os brilhantes, as carruagens e os cavalos. Mas por um amante muito jovem guardado em segredo. Apaixonado e sem vontade própria”. A romantizada e boêmia tuberculose afeta Alphonsine, levando risco para a sua rotina. Enfermidade transmissível, ela representa perigo para os seus parceiros. Os desdobramentos subjetivos do adoecer ganham vocalização: “A doença é cruel comigo mas também pode matar quem está ao meu lado. Sou contagiosa, sabe?”. Sem romantizações e com espírito positivista, a doente emite o seu ponto de vista sobre a enfermidade pulmonar: “Crê que amar alguém possa estancar uma hemorragia? Estar doente é uma coisa suja, que cheira mal. Os sentimentos não influem em nada”.

    O pai de Alphonsine tem com a filha um relacionamento marcado pela dubiedade. Incestuoso? É o seu guia e mentor desde o tempo da sua primeira menstruação. Exploração paternal desde a fase juvenil em que negociava com o corpo dela. Um singular cafetão que esteve ao lado da sua cria até o momento da morte desta. “Seu homem de confiança”, atuou como uma espécie de mordomo na administração doméstica de alguns dos espaços habitados por Alphonsine. Objetivo, calculista, com mentalidade mercantil, ele, na sua racionalidade de negociador, desestimulava os sentimentais pretendentes da filha. Para o principal deles, endereça uma lição quantitativa: “Como pode pensar que as prostitutas de Paris consigam manter seu estilo de vida sem três ou quatro amantes? Com a sua renda, o Senhor não pode lhe dar nem mesmo uma carruagem”. Na fase crepuscular da existência de Alphonsine, nos momentos finais da sua vida de enferma, a figura paterna estava ao seu lado e expõe sobre o fim de uma mulher que transitou do fausto dos nobres bailes para a situação de decadente endividada e perseguida por uma “procissão de credores”. Em suma, ele resume o trágico epílogo da existência da sua protegida: “E agora não há mais nada. Venderam tudo, até suas cartas de amor. Venderam em leilão até os seus cabelos. Seus belos cabelos. Sabe o que Alphonsine me dizia antes de morrer? Nunca me resignarei a deixar este mundo de bandidos e de prostitutas. ...Bandidos e prostitutas”.



Voltar

SIGAA | Superintendência de Tecnologia da Informação - STI/UFPI - (86) 3215-1124 | sigjb05.ufpi.br.instancia1 vSIGAA_3.12.1089 22/07/2024 14:14