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PPGS013 - TEORIA SOCIOLÓGICA I - Turma: 01 (2020.1)

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  • COM MOZART, FICO EM CASA
  • 12/04/2020 17:34
  • Texto:

    A via-sacra do ano de 2020 apresenta um particular contexto. O mundo vive a experiência da pandemia COVID-19. Trilhar, hoje, as quinze estações da via crucis cristã requer uma reflexão sobre os novos crucificados da sociedade do espetáculo. Em isolamento social, diante das telas, acompanhamos o suplício dos atingidos pelo coronavírus. A morte está viva. A sua dança está escandalosamente presente. Itália, Espanha, Estados Unidos, Brasil e outros países expõem as vulnerabilidades e fragilidades de sociedades avançadas, do ponto de vista tecnológico, e debilitadas quando refletimos sobre o estado de bem social que apresentam. Uma potência virótica desvela as precariedades de quadros sociais desiguais, excludentes e conduzidos por lógicas neoliberais, mercadológicas e desumanas. É o chão atual pisado pelos pés do Cristo rumo ao Calvário. Moderno ou pós-moderno? Passos dolorosos dos caminhantes nas veredas da incerteza.

    Dentro de casa, na companhia das artes, letras e atento aos sinais dos tempos, mergulho na audição musical de uma belíssima peça sonora mozartiana: RÉQUIEM. “Missa de defuntos” ou ofício dos mortos, na liturgia católica, é criação artística sintonizada com o espírito da semana santa e do lacrimoso momento histórico pestilento que estamos experimentando em escala planetária. A arrebatadora beleza da obra de Mozart tempera os ais dolorosos por ela evocados. Escutando os compassos e harmonias da missa pro defunctis do genial compositor, elevo o meu espírito e acompanho as notas musicais afinadas com as cenas midiáticas do Gólgota das vítimas do coronavírus. Estas carregam a cruz afetada por mais uma peste histórica. Na ilustração cinematográfica, convido para uma releitura de “O Sétimo Selo”, de Ingmar Bergman. Um texto fílmico sobre o noturno existencial de uma época pestilenta. Belo documento fílmico sobre as luzes e as trevas marcantes da história humana. Somos desafiados a jogar uma partida de xadrez com uma mortífera jogadora. Aula de cinema sobre o imaginário medieval. A liturgia cristã do tempo pascal de 2020 dispara reflexões sobre a singularidade da turbulenta situação global que atravessamos.

    A estação sacral da sexta-feira santa de 2020 registra números de óbitos em vários locais da terra. Nos Estados Unidos, a grande potência econômica do mundo globalizado, divulgam as imagens de enterros em valas comuns. Covas coletivas cavadas nas proximidades das suntuosas sedes do capital financeiro. Robotização e imagens evocativas das pestilências medievais. Colapsos funerários evocando pretéritas pandemias. Nos brasis, distribuição de cestas básicas, auxílio emergencial e drones monitorando a temperatura de quem circula nas ruas. Vida de ambivalências e paradoxos. As celebrações católicas, adaptadas ao pandêmico cenário, ganham apresentações via internet. Com fé e respeitando o distanciamento e isolamento sociais, o Papa Francisco e os padres católicos rezam em face das presenças virtuais. Religião em rede. Sacerdotes, em solitárias celebrações, chegam a colar fotos dos frequentadores das suas paróquias nos bancos das igrejas. Na era informacional dos relacionamentos virtuais, a cantora Mônica Salmaso aparece em afinada e delicada  live. Nas telas, em conexão, para evitarmos o contágio. Na prevenção, os toques informativos via “saúde digital”. Isolado, faço uma “visita virtual”.

    Confinamento e quarentena são palavras-chave em uma conjuntura histórica de risco e medo. Os boletins epidemiológicos da Organização Mundial da Saúde alertam para o perigo de colapso no sistema sanitário dos países. Crise planetária tratada com barreiras sanitárias, máscaras e álcool em gel. Assim vivemos agora. Preocupados com leitos e respiradores, governos ditam regras para que evitemos aglomerações. Sob a ameaça do coronavírus, peça publicitária exibe uma imagem na qual um assento é metade sofá e a outra parte é um pedaço de um caixão funerário. Mais um “você decide” para agitar o nosso cotidiano. Em extrema situação, nos moldes da “Escolha de Sofia” e na falta de aparelhos respiratórios, profissionais da saúde enfrentam a difícil situação de terem que escolher quem vai usar o respirador. Alguém vai ficar de fora por conta dos limites médicos e assistenciais.

    Em meio aos chocantes dados pandêmicos, pego um transporte artístico em busca de momentos gozosos. O play telânico viaja para o ano de 1971 e entra no interior de uma igreja cristã para um arrebatamento musical. Lá está a Orquestra Sinfônica de Viena, dirigida por Karl Böhm e o Coro da Ópera Estatal de Viena, conduzido pelo maestro Norbert Balatsch. Sopranos, contraltos, tenores e baixos cantam o Kyrie, o Agnus Dei, o Benedictus e o Sanctus. No acompanhamento orquestral, vozes soltas para Dies Irae, Rex Tremendae, Lacrimosa e Domine Jesu Christe. Sonoridade valiosa para compor a trilha sonora do crítico momento que presenciamos. Uma ocasião na qual despontam as mais variadas facetas humanas. Os oportunistas, querendo ganhar dividendos com a tragédia, em especial votos, e os solidários dos nobres gestos. Estes últimos falam de uma “solidariedade contagiosa”. Em um programa televisivo de espetacularização das violências nossas de cada dia, o seu antenado apresentador anuncia o roubo de 2 milhões de máscaras e testes da COVID-19 em Cumbica, São Paulo. Fake news pegam carona virótica. Em contraposição a tais feiuras, a nobreza da arte mozartiana, no seu RÉQUIEM, penetra em evangélicas páginas e sonoriza a crença na morte e ressureição de Jesus Cristo. Esperançoso, o Deus dos exércitos bíblico não fica aprisionado na mansão dos mortos. Mozart traduz, na linguagem da música, o crédito cristão na vida eterna. Em outro mozartiano presente artístico, “O Evangelho Segundo São Mateus”, do cineasta Pier Paolo Pasolini, traz o auxílio luxuoso de Mozart na sua trilha sonora, entre os nomes de fulgurantes compositores como Johann Sebastian Bach, Sergei Prokofiev e Anton Webern. Na audição sonora, em um contexto pandêmico que atinge a todos(as) nós, penso no aprendizado a ser colhido com a experiência da COVID-19 e ouço inebriado a seguinte vocalização, cantada e tocada, com maestria, na sóbria criação de Mozart: “...Que tanto sofrimento não seja em vão”. Bravo!



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