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PPGS013 - TEORIA SOCIOLÓGICA I - Turma: 01 (2020.1)

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  • FICANDO EM CASA, CONHECI SAM PECKINPAH
  • 26/05/2020 08:57
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    Um psiquiatra pediu a mim a indicação de um filme sobre doença mental. São muitas as referências fílmicas sobre as diversas enfermidades psíquicas. De imediato, lembrei do drama de Karin, personagem de “Através de um Espelho”(1961), mais uma obra-prima da “Trilogia do Silêncio”, de Ingmar Bergman. De olho na mente humana, o psicanalista Sergio Telles foi ao cinema e J. Landeira-Fernandez e Elle Cheniaux, objetivando conhecer os transtornos mentais através dos filmes, conectaram linguagem cinematográfica e loucura. Em um apelo à interdisciplinaridade, a psicologia vai ao cinema, vê os seus pacientes e as representações de transtornos psicológicos. Pela ótica do psicólogo clínico Skip Dine Young, o momento cinematográfico exibe cenas emocionantes e filmes terapêuticos. De um ângulo diferente, os psicólogos, espectadores na sala escura, elaboram as interpretações psicológicas dos filmes. Estes, em seus efeitos sobre os pensamentos e as emoções, cumprem funções profissionais e pessoais. A percepção e compreensão desenvolvidas abrangem os cineastas, as suas psicobiografias e os perfis dos diretores e atores envolvidos nas produções cinematográficas. Woody Allen, “gênio desequilibrado”, é foco de análise psicológica. Skip Dine Young afirma “o impacto psicológico da sétima arte em nossa vida e na sociedade moderna”. Ao elaborar as suas “tomadas”, apresenta “o cinema como equipamento para a vida”.

    Para geriatras e gerontólogos, exibo “Morangos Silvestres” (1957), de Ingmar Bergman. Uma bela e profunda criação artística sobre a velhice. A sua narrativa acompanha as memórias da trajetória de vida do médico e professor Isak Borg, de 78 anos. Em uma viagem imagética pelas suas lembranças juvenis, Isak experimenta a inexorabilidade do tempo. No caminho do seu passeio memorialístico, vivencia encontros intergeracionais. Em um debate sobre o processo de envelhecimento, Ecléa Bosi e Simone de Beauvoir, em seus escritos sobre os velhos, encontrariam em “Morangos Silvestres” as representações visuais para as suas reflexões sobre os significados de envelhecer.

    Cruzando diferentes perspectivas, o sociólogo da sociedade telânica promove encontros entre os pensadores dos mais variados campos do saber. Sam Peckinpah, “o poeta da violência”, na filmagem de cenas violentas dá os seus toques aos estudiosos da Sociologia das violências simbólicas e sangrentas dos nossos cotidianos. Na poética violenta do seu espetáculo visual, Peckinpah cria personagens humanos demais, ou seja, o assassino que leva flores para o parceiro de trabalho que está hospitalizado. Na sua ambiguidade, Mac atira e filosofa, de forma crítica, em “Elite de Assassinos” (1975), de Peckinpah. Em pleno serviço criminoso, discursa para o seu recrutador: “Estão todos tentando machucá-lo. Toda a máquina do sistema. Todos os bacanas e chefões estão lá em cima com os seus gins e espumantes. Precisam que você faça o trabalho sujo enquanto discursam sobre a liberdade e o progresso. São todos uns mentirosos. Não há um único sistema de poder que se preocupe com a população”. De Sam Peckinpah a Yasujiro Ozu, o campo das artes, como todos os outros, em particular o das ciências, é marcado pelos conflitos e diversidade das suas escolas, tendências e vertentes.

    Para os estudantes do campo da saúde, em especial, no contexto atual da COVID-19, recomendo a seguinte leitura fílmica: Da literatura para o cinema, em um exercício de tradução intersemiótica entre as letras e as imagens telânicas, assistimos “A Peste de Camus”, de Luis Puenzo. Transposição artística livremente inspirada no romance “A Peste”, de Albert Camus. Registro fílmico das experiências do Dr. Rieux e das brigadas sanitárias sob o “silvo do flagelo” aprisionador da epidemia, em Oran. Em um patológico estado de sítio, a tela dá concretude visual ao que Jean Delumeau, “o historiador em busca do medo”, escreve sobre os “comportamentos coletivos em tempo de peste”. “Imagens de pesadelo” captadas pelas sensíveis lentes do cineasta.  Humanizando a medicina e focalizando a educação da afetividade e das emoções, o médico Pablo González Blasco desenvolve uma metodologia com o cinema. Na sala de aula, o filme é recurso educacional humanizante. Na formação profissional como médicos, em um conceito integral e complexo, as humanidades participam na construção da identidade médica.

    Todos(as) vão ao cinema em busca de entretenimento, beleza e reflexões. Advogados, pedagogos, sociólogos, filósofos e psicanalistas encontram as mais belas questões dos seus campos de conhecimento no écran cinematográfico. Filosofando no espaço telânico, Ollivier Pourriol projeta o “cinefilô” pensante através das imagens em movimento. Julio Cabrera afirma: O cinema pensa. Propõe uma introdução à filosofia através dos filmes. Ingmar Bergman, homem de teatro e das telas, está entre os pensadores das artes e recebe o aval filosófico de Gilles Deleuze. Os textos fílmicos do cineasta exibem o olhar de quem revela conhecer o humano com profundidade. Personagens complexos, em diálogos adultos, expõem os seus mais profundos desassossegos subjetivos. Silêncios, gritos e sussurros das suas entranhas interiores. No divã cinematográfico, Danit Falbel Pondé coloca grandes filmes em análise. Os de Bergman desafiam os analistas à procura de personas estimulantes e exigentes.

    As referências antes citadas foram selecionadas para exemplificar uma dentre as várias possibilidades do sociólogo dialogar com o cinema no seu trabalho analítico. E é neste exercício dialogal que entra a “Tela Sociológica”. Esta dá nome a um projeto, por mim dirigido, na Universidade Federal do Piauí. São exibições quinzenais de filmes, seguidas de debates. No repertório fílmico selecionado são exibidas produções sobre os mais variados temas. Como estes são abordados pelas lentes dos cineastas pensadores? Para clarear a perspectiva teórico-metodológica usada, destaco alguns textos fílmicos. Na especificidade da linguagem cinematográfica, surge a pergunta: Como o cineasta do filme exibido trata o assunto focalizado? E nos diálogos entre ele e os teóricos das nossas disciplinas filosóficas e sociológicas, é ampliada a visão do tema tratado. Sem criar hierarquias entre os diversos olhares sobre o fenômeno abordado, é valorizada a abertura para os vários saberes. Arte, ciência e filosofia são convidadas para expor os seus pensamentos acerca do objeto a ser apreciado. Cada uma delas a partir dos seus prismas e ângulos particulares. Para abrir as ciências humanas e sociais, o pensamento complexo é exercitado quando Max Weber e Ingmar Bergman são citados em um debate após a exibição de “O Sétimo Selo”, película dirigida pelo último. É a arte pensante dando os seus toques ampliadores ao sociólogo aberto para a complexidade de tudo o que envolve o humano. É a sociologia rompendo com maniqueísmos, reducionismos e barreiras disciplinares. O pensamento sociológico ganha em beleza e densidade quando o seu porta-voz entra na magia do escurinho no cinema. Entretenimento e gravidade reflexiva sobre as dores e as delícias da existência humana. Espaço telânico de projeções e identificações. Disparo de emoções e sentimentos para ver as multicores comédias, tragédias, terrores e vôos imaginários da sagrada e profana tragicomédia das nossas vidas. Indiferença é palavra incompatível com a poliglota linguagem cinematográfica. Esta mostra tudo o que diz respeito à humanidade. Do ciúme ao coronavírus, nada do que humano é estranho à ótica do cineasta.

     



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