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PPGS013 - TEORIA SOCIOLÓGICA I - Turma: 01 (2020.1)

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  • DURKHEIM, WEBER E MARX ASSISTEM BACURAU
  • 06/09/2020 23:04
  • Texto:

    O texto do nosso próximo encontro é BACURAU, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Um filme para uma aula de teoria sociológica. A perspectiva metodológica propõe o acesso a temas e conceitos sociológicos através da linguagem cinematográfica. Cineastas pensam e possibilitam uma introdução à sociologia através dos seus filmes. Julio Cabrera diz o mesmo em relação à filosofia. Trabalhar no e com o cinema, na companhia de Edgar Morin. Para abrir as ciências sociais e em sintonia com o pensamento complexo, o sociólogo rompe barreiras entre os campos do conhecimento e promove um diálogo entre pensadores de diferentes linguagens. "A imagem-movimento" pensante de Gilles Deleuze. Tudo o que diz respeito ao humano é focalizado no écran cinematográfico. Émile Durkheim e Ingmar Bergman, com diferentes lentes focais, abordaram a questão do suicídio. Karl Marx e Costa-Gavras produziram críticas às relações capitalistas. Acordaram em torno do seguinte discurso de "O Capital": "Vamos continuar roubando os pobres para dar aos ricos". Max Weber e Akira Kurosawa promoveram reflexões sobre o poder. Michel Foucault entra no debate acompanhado de William Shakespeare. "Auxílios luxuosos" nas reflexões sociológicas em tela. Ampliar é verbo chave quando propomos o aprofundamento das mais belas questões da sociologia pela via da aproximação dialogal entre produtores artísticos e científicos. O "cinefilô" de Ollivier Pourriol transportado para a imaginação sociológica. Nas telas, a estrela é o homem imaginário. Sem criar hierarquias entre os discursos visuais e os sociológicos, valorizamos as singularidades textuais que apresentam. Sensibilidades diversas na abordagem das questões relevantes e emergentes que fazem parte dos nossos shows cotidianos.

                                                                                                                                                                                    BACURAU lido pela ótica da sociologia do conflito de Karl Marx. A dimensão político-ideológica do cinema lida pelo pensamento sociológico clássico. O cineasta, atento aos sinais dos tempos em que vive, apresenta o seu compromisso com o desvendamento das máscaras sociais. Falo do artista, "intelectual orgânico", explicitamente engajado em um projeto de transformação social, do lado das classes dominadas e excluídas. Tal como um pedagogo dos oprimidos, as suas imagens telânicas apresentam um potencial descortinador das relações de exploração no modo de produção capitalista. No plano ideológico, cineastas trabalham em várias direções. Dentre estas, encontramos os produtores comprometidos com os interesses ocultadores das classes dominantes. Estas, no uso dos seus aparelhos ideológicos, contam com a colaboração dos que, identificados como artistas, atuam enquadrados no projeto político dos dominadores. Os produtores de cinema investem dentro de estruturas contraditórias e conflitivas. O campo artístico é uma arena de tensões. Disputas, concorrências e transações entre correntes de pensamento fazem parte das relações estabelecidas entre os criadores de arte. Estes apresentam diferentes projetos e concepções artísticas. Dentre estas, produtos com consistência sociológica e crítica. BACURAU é um texto fílmico com densidade política e gerador de incômodos para com os privilegiados em uma sociedade camarotizada, de profundas desigualdades sociais. Um filme disparador de reflexões sobre graves e urgentes questões com as quais lidamos no mundo ambivalente da globalização. Avanços tecnológicos vizinhos das barbáries violentas. Drones sobrevoando território de carnificinas. Escassez de alimentos e remédios da parte de quem carrega aparelhos celulares. O olhar de superioridade do branco que fala inglês sobre os habitantes de uma cidade interiorana de Pernambuco. A reação da população local e suas lideranças contra o político enganador, desacreditado e decepcionante. BACURAU é um dos nossos brasis.

                                                                                                                                                                                    Quais os objetivos de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles com a realização de BACURAU? Pensando no conceito de ação social de Max Weber, um filme é o produto final de uma ação racional com relação a fins. O processo produtivo de uma obra fílmica é resultado de inspiração e transpiração. Sangue e suor. Muito trabalho. Cineastas são arteiros trabalhadores. Da captação de recursos ao espaço de exibição, é tempo gasto e o envolvimento de uma grande quantidade de técnicos e funcionários especializados. Recursos humanos que vão dos profissionais da maquiagem até os motoristas. Um empreendimento empresarial, burocrático, hierárquico. Um modelo industrial a ser administrado pelos empreendedores cinematográficos. Negócios da indústria cultural. Sentados no escurinho do cinema, diante do olho mágico da sétima arte, descuidamos dos bastidores do longo processo percorrido pelos realizadores para que o filme chegue a uma sala de projeção. Produção mediada de delícias e dores. À luz da sociologia compreensiva weberiana, destaco a racionalidade do investimento artístico, fruto de planejamentos e cálculos. Imaginação artística cerebral, movida a cálculos monetários, objetivos. BACURAU é uma realização feita com o coração e a cabeça. Um rebento de um amor exigente, cansativo, de ais gozosos e dolorosos.

                                                                                                                                                                                    "Ah, se a política fosse simples assim. Eu queria ver você, aqui no meu lugar. O buraco é mais embaixo, minha gente". Fala de Tony Jr., candidato à reeleição para prefeito, dirigida ao povo de Bacurau. Do ponto de vista weberiano, convicção e responsabilidade são qualidades do "homem autêntico". Estamos falando de ética. Tony Jr. é o personagem, tomando como base a reação popular, representativo de um fazer político irresponsável. O poder "pelo próprio poder". Para seu deleite egoísta e prestígio pessoal. No dia em que Tony Jr. foi fazer propaganda eleitoral em Bacurau, a sua população ficou dentro de casa e ele não teve plateia para o seu comício. A avaliar pelas adjetivações a ele dirigidas, percebemos a rejeição dos eleitores a mais um mandato para ele. De dentro das casas foram emitidos os seguintes qualificativos : "Safado, tinhoso, filho da puta!", cabra safado!, filho de uma rapariga!, Bandido!. Xingamentos reveladores de uma decepção relacionada a uma forma de fazer política, descomprometida dos ideais coletivos. Tony Jr. é o representante do político clientelista, nepotista, favoritista. A resistência populacional ao seu nome ganha a empatia do público que assiste BACURAU porque a tela projeta a imagem de um personagem modelar e representativo de um grande número de políticos da nossa vida cotidiana. O que os bacurauenses disseram e fizeram com Tony Jr. é o que parte da plateia, que vê o filme, gostaria de falar para uma grande parte dos políticos que dizem ser os representantes do povo. E seguem mais expressões da recusa a Tony Jr: "Desapareça, rapaz!, Respeite seu avô, porra!, Saia daqui, rapaz!, Miserável!". Os Tonys Juniores da política partidária usam o poder como meio ao serviço de que fins? O esforço, a tenacidade e a energia que utilizam atendem a quais interesses? O político convicto e responsável, ético, na visão de Weber, encara a sua vocação para "atravessar grossas vigas de madeira". Com o cérebro e paixão, faz do poder um meio a serviço da pronúncia do pronome nós.

                                                                                                                                                                                    BACURAU na visão do estrangeiro branco, de língua inglesa, do centro metropolitano. Ele olha para a periferia do mundo com o seu olhar imperialista, etnocêntrico, de quem se vê como superior. Mentalidade colonialista. A "civilização" dominadora, rica, do primeiro mundo capitalista. O Oeste de Pernambuco, onde fica localizada BACURAU, a "cidadezinha cu de mundo inofensiva". Este é o olhar do opressor "globarbarizado" na sociedade das ambivalências, de progressos e regressões. Tecnologia de ponta e ajudas alimentícias e medicamentosas com prazo de validade vencidos. Drones vigilantes a serviço das violências, mortes e medo. Os invasores armados atuando em um projeto de extermínio. Do oprimido parte a seguinte indagação: "Por que vocês estão fazendo isso?". Violência gratuita, espetacularizada, lucrativa. Qual a lógica embutida na invasão de um território esquecido pelo poder público? Tal como "ovelhas sem pastor", a comunidade bacurauense sobrevive da intrepidez das suas lideranças locais. Médica e professor, dentre outros sujeitos, são os cabras da peste locais. Conjugadores do verbo resistir. As autoridades públicas viram as costas para os interiores profundos dos nossos brasis. Daí as migrações para as "maravilhosas" capitais sulistas. E por falar no pessoal do sul brasileiro, orgulhoso da sua ancestralidade europeia germânica e italiana, como será que ele é considerado pela pureza do louro europeu? Em BACURAU, a dupla assassina procedente da rica região sulista brasileira, é colocada no seu devido lugar diante da supremacia branca e "pura" do louro made in U.S.A.

                                                                                                                                                                                    BACURAU tem um conjunto de marcantes personagens. Um deles é o da Doutora Domingas. Chegada a uma bebida alcoólica e tendo um caso amoroso com a mulher responsável pelo museu do lugar, ela exerce a medicina de um modo a distar do glamour de um atendimento médico mercantilizado e elitista. Médica que dá uma receita básica para quem está de ressaca: Beber muita água e vomitar. Interfere a favor da prostituta que está sendo levada, contra a sua vontade, para fazer um programa. Com o pé no chão na vida da comunidade, ela representa o profissional simples, despojado e presente nas lutas cotidianas do povo que assiste. Cabe a ela a exposição de uma crítica ao político irresponsável que distribui medicamentos sem atentar para os efeitos colaterais do uso indevido das drogas a serem distribuídas. É o cinema denúncia do descaso com a saúde da população. Ouçamos o discurso da médica responsável e consciente das precárias condições sócio-econômicas dos que estão sob os seus cuidados: "...Mas quero chamar a atenção de vocês para essa caixa de Prazol 4 que Tony Jr. deixou aqui na cidade. ...Remédio Tarja preta com distribuição gratuita, sem prescrição médica. Como alguns de vocês já sabem, o Prazol 4 é um inibidor do humor e comportamento só que disfarçado de um analgésico forte. É um remédio consumido no Brasil inteiro por milhões de pessoas e, não me perguntem por que em forma de supositório, que é o que mais vende. Faz mal, vicia e deixa a pessoa lesa. Após jogar a caixa que tem em mãos num recipiente de lixo, prossegue: "A caixa tá aqui. Quem quiser, pegue. Mas o recado tá dado". O descaso com a saúde da população, por parte dos poderes públicos, recebe tratamento visual e discursivo. Na tela, imagens de um cenário brasileiro desassistido. Na atuação profissional de Domingas, um exercício humanizado de quem atua conhecendo o contexto em que pisa. Na medicalização social de uma sociedade mercantilizada e dopante, Domingas fala em nome dos indignados. É o pensamento sociológico crítico em sua expressividade artística.

                                                                                                                                                                                    BACURAU é um pássaro notívago e brabo. E não está extinto, segundo a informação dada pela dona do bar à dupla de motoqueiros que, vinda de fora, "estrangeiros" em missão assassina, aporta em seu estabelecimento. O seu marido, na sequência, vai ser morto pelos dois forasteiros. A braveza da ave que dá nome ao lugar, tirado do mapa digital, representa a resistência do seu povo contra as investidas das forças armadas estrangeiras, interessadas na extinção da vida naquele espaço periférico do terceiro, quarto ou quinto mundos. Na geografia humana e econômica de tempos idos, o primeiro mundo era ocupado pelas nações capitalistas ricas. A geopolítica da globalização não dá visibilidade para os bacurais. Por estarem associados à pobreza, ao perigo ameaçador, alimentam mentalidades interessadas em extingui-los. "Quem nasce em Bacurau é o quê?" Pergunta feita pela "estrangeira" do Sul brasileiro. A resposta "é gente", emitida por um garoto, desconcerta a quem se vê como o "civilizado", superior ao outro "selvagem". A prepotência dos brancos, ou seja, o de língua inglesa e o do Brasil sulista, com ares de superioridade, encontra a resistência armada da comunidade de Bacurau. Cercados e vigiados pelos invasores, respondem com tenacidade e planejamento à investida violenta dos bárbaros, suas metralhadoras e a munição de um "drone voyeur". Invasão em rede, tecnologizada e com trilha eletrônica. Novas barbáries em pretensas pós-modernidades. É a sociedade do espetáculo e suas telas, dramáticas e banais, na exibição de caixões de defunto em série. A cara da morte dá ibope. Ela está viva. Bombou o vídeo do "Pacote" e os seus crimes.



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