A pesquisa trata de temas que, por duas décadas (1990-2010), permaneceram em campos de análise opostos na literatura brasileira: os efeitos que as instituições participativas (IPs) provocaram para o aprofundamento do ideal democrático e o que a institucionalização dos movimentos sociais naqueles espaços provocou nas relações socioestatais; e, ao mesmo tempo, como os movimentos sociais foram provocados por ela. Contribui com a agenda proposta por Almeida e Dowbor (2021), e a sugestão de estudos amparados na mútua fertilização entre: (i) as categorias em evidência na literatura brasileira dos anos 2000, como a categoria representação não-eleitoral nas IPs; e, (ii) as categorias que analisam a institucionalização dos movimentos sociais nas IPs, os contornos de sua atuação e os efeitos sobre os seus repertórios de interação com o Estado, tônica na literatura brasileira a partir dos anos de 2010, a exemplo das categorias encaixes institucionais e domínios de agência. Estudou o caso do Orçamento Popular (OP) da cidade de Teresina (PI) a partir do trabalho de Fossheim (2022), e analisou documentos e entrevistou atores sociais relevantes, a fim de qualificar a participação e a atuação dos atores sociais na representação não-eleitoral como legítima e democrática. Entretanto, ao desvelar o campo, o trabalho foi tensionado a analisar também categorias como encaixe institucional e domínio de agência (Gurza Lavalle et al., 2018) nas relações socioestatais daquela IP. Justifica-se tal decisão pela constatação da permanência de atores sociais exercendo a representação não-eleitoral por sucessivos mandatos no OP de Teresina (PI); bem como pela correspondência dos efeitos que aquela permanência proporcionava ou não sobre as decisões acerca da distribuição dos recursos orçamentários pelas regiões da cidade. A explicação sobre os mecanismos que potencializavam a capacidade de ação e de influência dos atores sociais naquela IP tensionava aquele objetivo inicial pensado para a pesquisa, qual seja, qualificar o potencial dos efeitos produzidos para o aprofundamento do ideal democrático e a sua importância no cenário político brasileiro; já que o objetivo do OP, em última instância, é distribuir recursos para atender as necessidades em obras e serviços públicos de acordo com o que a sociedade que ali participa demanda. A pesquisa ampliou a investigação das dinâmicas da representação não-eleitoral no OP da cidade de Teresina (PI) para identificar mecanismos que envolveriam autorização e accountability consubstanciando as ações dos representantes não-eleitos, a fim de analisar o cumprimento das promessas das teorias democráticas acerca das IPs e os efeitos que elas proporcionam para qualificar a representação não-eleitoral como legítima e democrática; mas, também, para identificar quais os mecanismos no repertório de interação daqueles representantes permitiram o acesso mais permanente à IP e alongaram no tempo a capacidade dos atores sociais de influenciar nas decisões públicas acerca da distribuição dos recursos orçamentários, classificando a pesquisa como descritiva e explicativa. A coleta de dados foi realizada em leis, normas, registros administrativos e em entrevistas semiestruturadas a presidentes de entidades civis e delegados/conselheiros do OP escolhidos através de amostra intencional entre aqueles atores sociais mais relevantes. Observou-se que a autorização e accountability não-eleitoral na representação dos atores sociais coletivos no OP é frequentemente apreendida através da pactuação pública, do diálogo face a face e comunicação bidirecional entre representantes e representados; entretanto, não se pode qualificar a representação não-eleitoral no OP de Teresina como democrática; posto que a distribuição dos recursos orçamentários não foi igualitária nas regiões da cidade, observando-se inclusive a concentração de recursos em determinadas regiões. Por sua vez, na relação que os atores sociais estabeleceram com o Estado, estão configurados alguns mecanismos que lhe permitiram capacidade de ação e de influência para, além de permanecer com mandatos sucessivos ao longo do tempo como delegados/conselheiros do OP; a saber: a rede de apoio e coalizões que os atores sociais formaram entre si, a permeabilidade do Estado em não proibir a reeleição para os mandatos de delegado durante a maior parte da existência da IP, e a gênese relacional dos atores nos movimentos sociais que permitiu o aprendizado necessário para que pudessem interagir e operar políticas. Estas configurações causaram efeitos na própria organização dos atores sociais em busca do atendimento de seus interesses e reivindicações; bem como efeitos discursivos no padrão de ação coletiva, percebendo-se, neste estudo, a mudança do padrão contestatório dos movimentos sociais, característico das décadas de 60/70 conforme a literatura brasileira, para o padrão cooperativo-dependente nas relações socioestatais construídas no OP de Teresina na atualidade.