: As leishmanioses são doenças de transmissão vetorial que ocorrem nos países mais pobres e atingem as populações mais vulneráveis. A leishmaniose visceral (LV), é a forma mais grave das leishmanioses, podendo ser fatal em casos não diagnosticados e tratados adequadamente. A infecção por Leishmania spp. tornou-se complicada com a coinfecção da AIDS e obteve importância substancial como uma infecção oportunista em regiões onde ambas as infecções são endêmicas. Muitas doenças infecciosas apresentam alterações séricas do perfil lipídico. A LV é caracterizada por redução dos níveis de colesterol total, LDL e HDL, apoliproteínas A e B; e por hipertrigliceridemia. Em relação a leishmaniose visceral, existem poucos trabalhos referentes a esta alteração. No Brasil, há pouquíssimos estudos que descrevem as alterações no perfil lipídico em portadores de LV, contudo não há estudos que descrevem essas alterações em indivíduos coinfectados HIV/LV. Em vista disso, com o intuito de verificar essa possível resistência, foram realizados testes de viabilidade celular para avaliar a atividade metabólica celular. Os pesquisadores que integram o grupo de pesquisa do laboratório de pesquisa em leishmanioses decidiram então, avaliar primariamente cepas provenientes destes indivíduos a fim de buscar evidências sobre uma possível resistência ao fármaco utilizado (o que levaria à uma explicação sobre a má ou não resposta terapêutica). Contudo, com os resultados obtidos foi possível aferir que possivelmente não haveria resistência ao fármaco e a partir dali foi levantada a hipótese a respeito dos níveis séricos do perfil lipídico nestes indivíduos. Objetivos: Investigar a causa de refratariedade ao tratamento com anfotericina B de indivíduos coinfectados com L.infantum e HIV. Metodologia: Trata-se de um estudo analítico e retrospectivo, considerando dados coletados a partir dos prontuários dos pacientes internados no Instituto de Doenças Tropicais Natan Portela (IDTNP), situado em Teresina – PI, com diagnóstico de coinfecção HIV/LV. Os prontuários foram avaliados com o propósito de caracterizar o perfil epidemiológico, clínico e laboratorial dos participantes em estudo. Para o ensaio in vitro, os isolados foram obtidos de indivíduos com LV coinfectados pelo HIV admitidos no Instituto de Doenças Tropicais Natan Portela. Estes isolados, encontravam-se criopreservados em nitrogênio líquido a -196 ºC no Laboratório de Pesquisa em Leishmanioses do Instituto de Doenças Tropicais Natan Portela (IDTNP), em Teresina – PI. O descongelamento dos isolados seguiu o procedimento operacional padrão de descongelamento de amostras retiradas do criobanco. As promastigotas de L. infantum foram cultivadas primeiramente em meio NNN (Neal, Novy, Nicolle) com adição de 1 mL de meio Schneider’s suplementado. Posteriormente, uma alíquota de 100-200 µL era retirada desta cultura e colocada em 5 mL meio Schneider’s suplementado. As culturas foram mantidas em estufa a 26°C e os repiques foram feitos semanalmente. A anfotericina B e o MTT foram adquiridos na companhia Sigma-Aldrich. Numa placa de 96 poços, foram adicionados 200 µL de meio aos poços da primeira linha e aos que correspondem ao “branco”; nos poços restantes 100 µL de meio. A primeira linha recebeu a maior concentração de anfotericina B. Em seguida foi homogeneizado e transferiu-se 100 µL do primeiro poço à linha imediatamente abaixo; a diluição ocorreu até a penúltima linha, os últimos 100 µl foram desprezados. A última linha foi destinada somente para os parasitas, sem adição de droga. Promastigotas em fase logarítmica foram coletados por centrifugação a 4.000 rpm por 10 minutos e ressuspensos em meio. Após a diluição seriada do fármaco, foram adicionados 100 µL de parasita nos poços, exceto aos que correspondem ao ‘branco”. Posteriormente, a placa foi incubada a 25 ºC em uma BOD por 24 horas. Após o período de incubação, foram adicionados 30 µL de MTT 5mg/mL e novamente incubadas a 25 ºC por 2 horas. A reação foi interrompida pela adição de 50 µL de SDS (dodecilsulfato de sódio) a 20% a cada poço. A leitura da absorbância foi feita em um espectrofotômetro com comprimento de onda de 595 nm e usou-se como referência 690 nm. As dosagens das frações lipídicas foram realizadas no laboratório do Instituto de Doenças Tropicais Natan Portela. As amostras de soro e/ou plasma encontravam-se armazenadas em freezer -20 ºC no Laboratório de Pesquisa em Leishmanioses e foram processadas no equipamento Incca Bit (Analisa). Para isto empregou-se o kit reagente Analisa para colesterol total, triglicérides e HDL direto. Resultados: Foram sensibilizados cinco isaolados em placa à anfotericina B por meio do teste MTT. O isolado 5567 obteve o maior valor de EC50, onde mostrou ser menos sensível ao fármaco quando comparado aos outros isolados. O isolado 7055 apresentou o menor valor, sendo o mais sensível ao fármaco. Todos os isolados foram provenientes de um segundo episódio de leishmaniose visceral dos indivíduos. A amostra foi composta por 29 pacientes, sendo 23 (79,3%) indivíduos com mais de um episódio de LV (recidivante) e seis (20,7%) indivíduos no primeiro episódio de LV (não recidivante), em que 89,7% eram do sexo masculino e 58,6% apresentaram idade superior a 40 anos. Dentre as manifestações clínicas observadas na admissão, as mais frequentes foram perda de peso, palidez, febre, esplenomegalia e hepatomegalia. As alterações laboratoriais mais frequentes foram anemia e leucopenia. A avaliação do perfil lipídico mostrou que os indivíduos apresentaram níveis de colesterol total e triglicerídeos normais e níveis HDL, LDL e VLDL abaixo do valor de referência. Os níveis de VLDL (p<0,004), triglicerídeos e LDL (ambos com valor de p<0,047) mostraram-se associados ao desfecho clínico e ao diagnóstico anterior de calazar, respectivamente. Não houve nenhuma correlação entre a quantidade de doses de anfotericina B lipossomal administradas com o perfil lipídico. Conclusão: Neste estudo, os isolados provenientes de indivíduos adultos com a coinfecção HIV/LV apresentaram valores de EC50 semelhantes, evidenciando que a falha terapêutica pode estar atribuída a outros fatores a serem esclarecidos. Pressupõe-se que o conhecimento das alterações metabólicas do perfil lipídico na coinfecção HIV/LV em associação à dados clínicos e laboratoriais podem ajudar no monitoramento desta coinfecção.