A medula óssea é considerada um dos órgãos alvos para a detecção de Leishmania spp. Estudos mostram que a presença do parasita causa alterações relevantes no seu funcionamento comprometendo a hematopoiese, e por conseguinte, levando a citopenias periféricas comumente observadas em pacientes com leishmaniose visceral (LV). Diante disto, o presente estudo teve como objetivo caracterizar as alterações histopatológicas na medula óssea de cães naturalmente infectados por Leishmania infantum classificados conforme estadiamento clínico. Quarenta e seis cães foram incluídos nesse estudo. Os cães com LV foram estadiados com base nas alterações clínico-patológicas em: Estágio I - 10 cães; Estágio II – 20 cães; Estágio III – 9 cães. Sete cães negativos para LV (controles) constituíram o grupo IV. Cinco cães com LV foram acompanhados por um período de 120 dias após o diagnóstico. Em todos os animais foram coletadas amostras (sangue e medula óssea) para realização de exames laboratoriais (bioquímico e hematológico), carga parasitária, exame histopatológico e citometria de fluxo. Dos cães com LV, as principais alterações clínicas e laboratoriais observadas foram: 89% apresentaram linfadenomegalia (35/39), 41% caquexia (16/39), 41% onicogrifose (16/39), 51% despigmentação do focinho (20/39), 36% conjuntivite (14/39), anemia 82% (32/39), trombocitopenia 59% (23/39), hipergamaglobulinemia 56% (22/39) e hipoalbunemia em 43% (17/39), sendo que as alterações clínico-laboratoriais eram mais severas nos animais no Estágio III. No exame histopatológico da medula óssea, os cães infectados apresentaram aumento da celularidade, hiperplasia da série mieloide e hipoplasia da série eritróide, e presença de áreas de necrose quando comparados aos animais controles. Além disso, foi observado um aumento significativo de fibras de reticulina nos cães com LV, sendo em maior intensidade no grupo no Estágio III. A análise do estoque de ferro na medula óssea revelou uma associação entre a anemia e a redução ou ausência dos estoques de ferro (P= 0,0091; X2=9,408). Na medula óssea dos cães com LV, também foi observado um aumento significante de histiócitos correlacionados positivamente com a carga parasitária (P=0,0006). Pela citometria de fluxo, a porcentagem de células CD14+CD11b+ foi maior nos animais infectados no Estágio II. Para avaliar a progressão das alterações na medula óssea dos cães infectados, fizemos uma análise comparativa dos parâmetros clínico-patológicos de cinco cães com LV no momento do diagnóstico e após 120 dias pós-diagnóstico. Surpreendentemente, nesse período, apenas um animal com LV evoluiu para um quadro clínico-patológico mais grave caraterizado por perda de peso progressiva, mucosas hipocoradas e linfadenopatia acentuada, anemia mais severa, aumento do parasitismo e lesões histopatológicas na medula óssea como expansão de histiócitos, aumento no depósito de ferro e de fibras de reticulina. Em conclusão, a hipoplasia eritróide, expansão de histiócitos e fibrose são alterações importantes na fase mais avançada da doença e que podem contribuir para uma disfunção na medula óssea.