Esta dissertação tem, como objetivo principal, investigar continuidades e descontinuidades em relação ao tratamento dado às categorias gênero e número dos substantivos simples na Gramática Houaiss da Língua Portuguesa (2008), (doravante GHLP), de autoria de José Carlos de Azeredo. Para tanto, fez-se necessária a análise de gramáticas que perfazem o horizonte retrospectivo (Auroux, 2008) de Azeredo, quais sejam, gramáticas brasileiras do século XX: Pereira, 1907; Said Ali, 1922; Almeida, 1943; Rocha Lima, 1957; Bechara, 1961; Melo, 1980; Cunha e Cintra, 1985, com ponto de chegada na GHLP, gramática escrita na primeira década do século XXI, estabelecendo-se, assim, as fontes primárias desta pesquisa, além da dissertação de mestrado e tese doutoral do autor. A análise foi conduzida com base nos pressupostos teórico-metodológicos da Historiografia Linguística, ancorando-se nos princípios propostos por Koerner (1996): contextualização e imanência. O princípio de contextualização foi contemplado a partir da descrição de alguns aspectos políticos, econômicos e sociais do Brasil nos últimos sessenta anos para que se pudesse compreender o clima de opinião do autor, a fim de entender as ideias contidas na GHLP, porque se entende que a obra do autor não é um evento isolado, mas situa-se num momento histórico e é influenciado pelas reflexões que o antecederam. O princípio de imanência contemplou as descrições linguísticas a respeito do gênero e do número dos substantivos simples, catalogadas na GHLP, representando, em alguma medida, a linha de inovação da gramaticografia em tempo atual; e nas demais gramáticas do século XX, representando a tradição. Por comparação, as descrições linguísticas das categorias analisadas foram postas em linhas de continuidade e descontinuidade em relação a uma tradição já consolidada. Além disso, ao cerne da fundamentação teórica, a partir de um breve panorama na historiografia das ciências, integrou-se a noção de coletivo de pensamento, de Fleck (2010); modelo de história continuidade e descontinuidade, de Koerner (1989); História do Tempo Presente (Ferreira, 2000; Hanna; Bastos, 2012), em que lacunas entre o passado e o futuro são passíveis de compreensão em momento presente. Como resultados gerais, verificou-se que o autor apresenta linhas de continuidade em relação à tradição quando faz repetição de regras já conhecidas. Já em relação às linhas de descontinuidade, Azeredo, ao trazer uma nomenclatura própria e concisa, para a descrição do gênero dos substantivos, inova, pois, por meio de generalizações, consegue abarcar inúmeras regras que tradicionalmente são feitas de forma particularizadas. Além disso, o autor reconhece o caráter imanente do gênero como um item do léxico, não se limitando a aspectos sintáticos como os demais gramáticos. Sem hesitações, Azeredo, na GHLP, diferencia os mecanismos de descrição do gênero e do número em relação aos processos de flexão e de derivação. Em relação à categoria número, apesar da repetição de regras já conhecidas, Azeredo vai além da indicação de singularidade e pluralidade, ao apresentar nuances semânticas particulares em relação a essa categoria. Percebe-se, portanto, que a GHLP, no que tange ao tratamento das categorias gênero e número, pende pela via da mudança em relação aos tradicionais compêndios do século XX.