Em Os anéis de Saturno, de W. G. Sebald, um narrador melancólico viaja a pé, com sua mochila nas costas, pela costa leste da Inglaterra. A paisagem, sobre a qual toma notas, é para ele marcada por traços de destruição e transitoriedade que lhe remetem para acontecimentos do passado histórico. A concepção de visão analisada no livro questiona a tradicional divisão entre sujeito e objeto ao inserir o olhar no campo do desejo. Enxergando o mundo com as lentes do luto, os objetos sensíveis a sua volta aludem, direta ou indiretamente, à morte. Após uma reavaliação do conceito de realismo, defendemos que haveria um certo realismo sebaldiano. O tratamento dado à realidade em Os anéis de Saturno, porém, não se confunde com um documentalismo simplista. Também não se confude com a categoria específica de literatura de testemunho, apesar de seu teor testemunhal. Sebald encontra -- após o que com ajuda de Jacques Rancière denominamos abolição da regulagem da visão -- maneiras sutis de representar o irrepresentável do real por um conjunto de procedimentos que chamamos de figurações do luto.