Durante o estágio criativo, o autor se encontra num processo complexo de escrita que requer um confronto e conciliação entre as duas formas de existências, a do autor e a da obra. O paradoxo existencial do discurso literário apoia-se na indefinição do lugar do autor que se encontra em um lugar indeterminado entre os perímetros da produção literária, pois não possui um pertencimento pleno ao campo literário nem um território fixo na sociedade. Isso baseia o conceito-chave da nossa pesquisa, a Paratopia. Com base nisso, esta pesquisa se ampara em um estudo de natureza qualitativa e interpretativa que busca analisar como a localização às margens do autor piauiense Abdias Neves interfere na sua produção, como se estabelecem essas relações paratópicas em seu discurso literário e como tais relações estão imbricadas à construção dos ethé do autor na obra Um manicaca (1985). Para isso, procuramos identificar os aspectos paratópicos; classificar os elementos paratópicos; verificar o funcionamento da embreagem paratópica no discurso literário da obra e observar as implicações da paratopia do autor na construção dos seus ethé. As análises evidenciam a existência de três tipos distintos de paratopia na obra: a paratopia de tipo discursivo, através da dispersão discursiva na escrita do autor; a paratopia de identidade social, estruturada por meio das personagens Praxedes e Júlia que destoam do padrão social e são empurradas para margem social; e a paratopia temporal, marcada nos discursos paradoxais que revelam um autor à frente de seu tempo. Além disso, verificamos que, a partir da sua paratopia, o autor formula seus ethé anticlerical, cientificista e subversivo. Esses elementos são os embreantes centrais que possibilitam o desenvolvimento paratópico na obra mediante ao processo criativo de produção da mesma, pois oferecem ao autor o suporte para os movimentos de aproximação e distanciamento em relação a sua obra.