A prosa poética em Céu em fogo, de Mário de Sá-Carneiro
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Mário de Sá-Carneiro, poeta modernista português finissecular do século XIX para o
XX, pode ser considerado um artista ciente de seu estilo particular. A introdução do Modernismo
em Portugal foi constituída pela publicação do primeiro número da revista Orpheu, em março de
1915, da qual Sá-Carneiro fazia parte. A produção do autor se insere no limiar entre a expressão
dos desvarios do sofrimento, da dor de alma transportada a um plano estético e da configuração
de um sujeito poético em sintonia com uma dispersão própria. Nesse sentido, nota-se a presença
de concepções literárias já conhecidas: a arte vista como “um segredo ou tormento” de alguns
temperamentos para os quais Orpheu é um “exílio” e um “ideal oculto”, uma forma bem particular
de o artista sentir e conhecer a si. Essa arte que quer ver reconhecidos os seus ideais, que usa
a emoção, mas ao mesmo tempo dela se distancia pode ser atestada por meio das vanguardas
europeias. Assim, este trabalho analisa as novelas contidas em Céu em fogo (1915), de Mário de
Sá-Carneiro, por meio de um estudo dos aspectos formais que caracterizam a presença de lirismo
poético nas narrativas carneirianas. Com base em análises substanciais, é possível perceber como
a constante preocupação com os temas da representação, da criação, do fingimento; presença de
espelhos e duplos; preocupação do texto com reduplicação, desdobramento e ruptura da ilusão;
fragmentação do enunciado, que poderia ser visto como mais um sinal de sua artificialidade, de seu
caráter de ficção. A obra prosaica de Sá-Carneiro funde-se com a lírica, tipificando a constituição
em prosa poética, logo, pretende-se identificar os aspectos que condicionam o mecanismo de
hibridização entre prosa e poesia na novelística carneiriana. Esta dissertação intenciona, portanto,
analisar a tessitura da prosa poética, a fim de detectar quando há dose de lirismo na prosa e de
atestar os aspectos que configuram a fusão do enredo e da poesia, seja pela musicalidade ou pela
divisão da frase em segmentos que chegam a recordar a cadência do verso. Para aporte teórico
elegeu-se as teorias de Benedetto Croce, Octavio Paz, Hugo Friedrich, Ana Piedade Nascimento,
Tzvetan Todorov e Massaud Moisés.