Esta tese resulta da investigação sobre a ficcionalização da travessia atlântica, compreendendo este tema enquanto lacuna de pesquisa nos estudos críticos dedicados à literatura brasileira. Intervindo nesse cenário, o objetivo deste trabalho é discutir os sentidos da travessia atlântica nos romances Água de Barrela (2016) e O crime do Cais do Valongo (2018), de Eliana Alves Cruz. Para tanto, o conceito de travessia é concebido em perspectiva ampla, sobretudo, enquanto elemento de análise que considera a experiência no navio negreiro como um aspecto continuamente redivivo em nossa sociedade. A tese responde aos seguintes problemas de pesquisa: (i) quais as possibilidades de articulação entre as obras produzidas por escritoras negras, do século XIX à atualidade, que tematizam a experiência da travessia atlântica? (ii) Quais são os possíveis sentidos acerca do passado nacional considerando a memória tributária dessa travessia na narração de mulheres negras? (iii) A literatura pode ser compreendida como um modo de reelaboração do passado, atuando na preservação da memória negra no país? A pesquisa bibliográfica parte de pressupostos teóricos do campo dos estudos literários e decoloniais, como também de reflexões da história e da filosofia. O corpus literário acionado ao longo da tese, além do valor estético, também institui um campo de produção epistemológico próprio. O estudo dos romances possibilitou a compreensão de uma estratégia narrativa de articulação entre o passado e o presente em uma relação de efeitos historicamente forjados, tendo em vista o desenvolvimento da escravização negra e as suas consequências, as políticas de apagamento da memória negra e as ações de insubordinação frente a esse contexto. A ficcionalização do passado é realizada em um processo de transposição de arquivos para a construção de subjetividades irrecuperáveis, capazes de reafirmar as suas existências no texto literário. A escrevivência e a fabulação crítica podem ser apreendidas como procedimentos metodológicos e de criação literária que viabilizam pensar a travessia e a sua permanência enquanto marca, motivando uma poética que tem como pilar a busca por justiça.