No Brasil, o enfrentamento do Estado às vulnerabilidades socioeconômicas apresentadas pelas classes mais pauperizadas da população tem sido historicamente renegado a ações pontuais, focalizados, atrelados ao assistencialismo, benemerência e quase sempre orientados por vieses que distanciam essas práticas do campo da plena garantia de direitos. Tal modelo de oferta de política pública, além de operar sob perspectivas macropolíticas e macroeconômicas que extrapolam as fronteiras locais, sofre influência de fatores que são muito próprios do desenvolvimento da relação entre Estado brasileiro e sociedade civil, com marcadores que tem raízes longínquas e remontam às bases da própria formação desse Estado e de nosso tecido social. A formação da sociedade brasileira e o processo de estruturação do Estado brasileiro foi intensamente marcado pelos desdobramentos do processo de colonização e exploração portuguesa em suas mais diversas e complexas dimensões, imprimindo fortes influências à nossa História nos campos econômico, cultural, político e social (Faoro, 2001). Os traços paternalistas, clientelistas, patrimonialistas, bem como as relações de tutela e favor típicos dos senhores latifundiários foram se enraizando na cultura política brasileira e delineando a formação ética e moral da nossa sociedade (Cardoso, 2013). Dentro desse contexto de submissão e incorporação de princípios de organização da vida e das relações interpessoais, as influências portuguesas atingiram também a estrutura administrativa da Colônia. Filho (2006) afirma que o Estado brasileiro nasceu, desenvolveu-se e consolidou-se com base numa “espinha dorsal” que combinou patrimonialismo e burocracia, absorvendo os modelos de gerenciamento produzidos pela Corte Portuguesa e, em grande medida, adaptando-os para garantir o processo de customização da colônia aos interesses da elite portuguesa.