O Orçamento Participativo surgiu no Brasil na década de 90 e impulsionou
análises teóricas amparadas no participacionismo, deliberacionismo e agonismo
conforme foi se multiplicando aqui e pelo mundo, resistindo ao passar das décadas.
Este estudo, recorrendo à pesquisa bibliográfica, objetivou mapear os modelos
analíticos sobre a experiência, abraçando a crítica de Miguel (2017) e sua constatação
que o abandono ao participacionismo em favor de outras teorias na atualidade
constrói desfecho que é infiel ao aprofundamento democrático, a exemplo do modelo
criado em Lavalle e Zaremberg (2014), conforme o conceito de intermediação
política. O intermediador é aquele que detém vantagens posicionais nas relações
entre indivíduos e atores coletivos – organizacionais e institucionais – e as instâncias
de autoridade pública, localizadas em níveis superiores. Possui, ainda, o
reconhecimento em seu grupo para ser voz das preferências e tem o comportamento
balizado por constrangimento – a respeito das perspectivas e opiniões dos
representados. A convergência entre seus interesses e dos intermediados é parcial, em
maior ou menor medida instável e impulsionada pelo conflito. Reconhecimento,
constrangimento e conflito seriam faces opostas aos três princípios clássicos da
representação eleitoral: autorização, accountability e controle sobre as preferências,
respectivamente. O alerta inicia em Miguel (2014), para quem representação só será
democrática se reduzir a distância entre a ação dos representantes e a vontade dos
representados. Mais tarde, Miguel (2017) advoga que somente a participação direta
nos espaços decisórios pode efetivá-la, por quatro motivos: i) Os interesses dos grupos
dominantes na política serão sempre privilegiados mesmo que não se mobilizem paraisso; para os dominados, a participação é essencial para que se façam ouvir; ii) Os
grupos subalternos possuem menos treinamento para política, sendo valioso em si
mesmo ganhar acesso a um espaço que permita entendê-la; iii) Os grupos subalternos
tendem a ter menos acesso aos espaços de difusão das representações sociais, a
começar pela mídia, e iv) são eles também que se encontram mais distanciados dos
espaços de poder e, caso se tornem representantes, serão catapultados para outro
universo social, passando a dar novos significantes aos seus interesses. Sem o diálogo
interno no grupo social, que granjearia aos representados a capacidade de supervisão
e controle sobre os representantes, ter-se-á na intermediação política tão somente
autoautorização. A interlocução política democrática não pode se resumir a relações
verticais entre representante e representados. Incluiria, também, a relação horizontal
que os representados estabelecem entre si, até mesmo para definir suas próprias
preferências, que não são dados prévios ou necessidades identificadas por um olho
externo, mas construções coletivas. Segundo Miguel (2017), a intermediação política
mirou suplantar o clientelismo, entretanto, catapultou o paternalismo, segundo o
qual a incapacidade política das pessoas nos espaços decisórios é um dado de uma
realidade que não vale a pena enfrentar.