Cada sociedade possui sua forma de alocar recursos e esforços com intuito de proteger seus membros, ou seja, não existe grupo humano que não tenha desenvolvido meios de sobrevivência e manutenção da integração na vida social, através da proteção social. Com a consolidação do modo de produção capitalista, pautada na relação capital versus trabalho e a intensificação das lutas sociais dos trabalhadores que buscavam colocar limites na sua exploração, a proteção social, em suas diferentes configurações societárias, se constitui em relações contraditórias, ao mesmo tempo contribuindo para reproduzir o capital e a força de trabalho, tornando-se imprescindível para a manutenção dessa organização social. Institucionalmente, o Brasil chegou até a construir um sistema de proteção social público, ampliado legalmente pelos fundamentos da Seguridade Social com a promulgação da Constituição de 1988, embora eivado de contradições e limitações, pela reconfiguração das lutas sociais pela intensificação do ideário neoliberal, sobretudo a partir de 1990. Compreende-se a necessidade de analisar quais foram os avanços, impasses e tensionamentos que ocorreram pós-Constituição de 1988, principalmente para a trajetória da Política Nacional de Saúde Mental no sistema de proteção social brasileiro, no contexto capitalista de grande avanço da ofensiva neoliberal. Com a Reforma Psiquiátrica Antimanicomial muitos foram os avanços e conquistas no campo da saúde mental, pois passa-se a questionar o modelo asilar de supressão da liberdade e de violação dos direitos humanos e defende-se uma nova forma de assistência à pessoa com transtorno mental, pautado no cuidado comunitário, defesa dos direitos e cidadania desse segmento através da sua inserção na sociedade e ampliação dos serviços substitutivos. No entanto, principalmente no contexto pós 2016, em especial nos governos Temer e Bolsonaro, há o aceleramento das contrarreformas psiquiátrica e das medidas neoliberais e neoconservadoras, que revigora o desfinanciamento do SUS, a remanicomialização e a mercantilização da saúde mental. Examinou-se o cenário entre 2016 a 2022 e a proposta da “Nova Política Nacional de Saúde Mental” e suas implicações para as conquistas até então estabelecidas na política de saúde mental antimanicomial. Foi preciso ir além, e realizou-se uma análise crítica sobre os atores e os processos de resistência, mapeando-se as forças que estiveram em curso e que resistiram aos desmontes contrarreformistas e as reconfigurações da política de saúde mental, lutando pela defesa do legado da Reforma Psiquiátrica Antimanicomial. A metodologia adotada baseou-se na pesquisa bibliográfica e documental. Os resultados apontam que apesar da conjuntura desfavorável à participação/controle social e intensos riscos à democracia brasileira, diversos atores compuseram a resistência aos desmontes e configurações na/da política de saúde mental antimanicomial, na perspectiva de preservar e consolidar o que foi construído com a intenso protagonismos de usuários, familiares, trabalhadores e pesquisadores brasileiros.