Esta tese analisa criticamente a formação, estrutura e função do Estado moderno, com ênfase nas
suas implicações na construção da ordem social, nos mecanismos de controle penal na América
Latina e nas desigualdades interseccionais que permeiam o encarceramento feminino. A reflexão
percorre três grandes eixos: a gênese do Estado e das políticas públicas; as especificidades do
Estado-nação latino-americano e seu aparato penal; e a interseccionalidade no encarceramento de
mulheres em contexto de neoliberalismo associado à colonialidade do poder. O Capítulo 1 traça
as origens históricas e filosóficas do Estado-nação, destacando seu surgimento como estrutura
político-jurídica destinada a organizar e controlar a sociedade. Inicialmente, o Estado é
compreendido como um ente voltado à proteção da ordem, da propriedade e da segurança
coletiva. Estado e Direito são analisados em sua relação em que o poder político se legitima por
meio das normas jurídicas, e o direito se configura como instrumento de manutenção das relações
sociais vigentes. A partir da teoria do contrato social — com pensadores como Hobbes, Locke e
Rousseau — o Estado moderno é concebido como um pacto entre indivíduos para a constituição
de uma autoridade legítima que garanta direitos e deveres. Contudo, essa legitimidade é
frequentemente questionada quando se observa a atuação do Estado diante das populações
subalternizadas. Ao final do capítulo, problematiza-se o ideal do Estado moderno à luz de suas
práticas excludentes e seletivas, revelando as tensões entre o discurso de cidadania universal e a
realidade das desigualdades sociais. No Capítulo 2, o foco está sobre a formação dos Estados
latino-americanos, com destaque para Brasil e Peru, marcados por processos históricos de
colonização, dependência econômica e reprodução de estruturas de dominação. A construção
desses Estados revela a persistência de modelos autoritários, excludentes e racializados. Neste
contexto, o sistema penal surge como um dos principais instrumentos de controle social sobre as
populações pobres. As prisões, inicialmente justificadas como espaços de reabilitação, tornam-se
verdadeiros aparatos de contenção das populações marginalizadas, sobretudo das classes pobres
e racializadas. O capítulo examina os diferentes sistemas penitenciários e traça um panorama das
prisões na América Latina, evidenciando a superlotação, a violação de direitos humanos e a
ausência de políticas ressocializadoras. As análises dos sistemas prisionais do Peru e do Brasil
revelam um padrão comum de encarceramento massivo, seletividade penal e racismo estrutural.
O Capítulo 3 aprofunda a discussão a partir da lente da interseccionalidade, demonstrando como
gênero, raça, classe e outros marcadores sociais se entrelaçam nas trajetórias de mulheres
encarceradas. O capítulo questiona os discursos neutros e universalizantes da política penal,
evidenciando que as mulheres presas na América Latina são, majoritariamente, negras, pobres,
com baixa escolaridade e submetidas a um ciclo de fragilidades históricas. A interseccionalidade
é apresentada como ferramenta teórica potente para compreender como a criminalização da
pobreza e o racismo institucional operam sobre os corpos femininos. A partir da análise das
condições prisionais no Brasil e no Peru, identifica-se um cenário marcado pela precariedade
estrutural, abandono institucional e violação de direitos. Por fim, destaca-se como o
encarceramento feminino é atravessado por determinações do capitalismo neoliberal, que não
apenas precariza as condições de vida, mas transforma a punição em estratégia de gestão da
desigualdade social. O sistema penal, longe de promover justiça, age como mecanismo de
manutenção da ordem excludente e racista, legitimando a marginalização das mulheres
pretas/indígenas e pobres.