Esta tese, valendo-se do referencial teórico-metodológico da Análise de Discurso Crítica, ADC (Fairclough, 2001, 2003), do Estudo das Representações Sociais (Van Leeuwen, 1997) e da Teoria do Processo (Neves, 2019) busca analisar representações sobre direito linguístico e surdez em discursos jurídicos e seus efeitos no acesso à justiça de pessoas surdas e na tomada de decisões de magistrados. Desenvolvida a partir da interface entre Linguística e Direito, a pesquisa utiliza-se de ferramentas linguísticas para desvelar relações assimétricas de poder, resgatando nos textos concepções ideológicas, de modo a contestar a suposta objetividade e imparcialidade do discurso jurídico. Com uma abordagem metodológica qualitativa, ou interpretativo-crítica, o estudo encontra suporte na Análise de Discurso Textualmente Orientada, ADTO (Fairclough, 2003) para analisar o discurso em sua relação com a prática social. A geração e coleta de dados sobrevieram de métodos etnográficos: observação participante (audiências de instrução e julgamento), notas de campo e leitura de dados documentais. Nessa leitura, foram utilizadas principalmente as categorias linguísticas da lexicalização, ideologia, interdiscurso (Fairclough, 2001), representação dos atores sociais (Van Leeuwen, 1997) e identificação (Castells, 1999). O corpus da pesquisa é extraído de quatro processos judiciais, que têm como parte pessoas com surdez, cada um composto por diferentes gêneros jurídicos, analisados mediante autorizações expressas do Ministério Público do Estado do Piauí, do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí e do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí, UFPI. A análise das escolhas lexicais e dos significados das palavras permitiram identificar no corpus concepções ideológicas distintas sobre a pessoa com surdez, ora representada como “surda-muda”, “que não entende”, “incapaz”, “com retardo mental”, ora como alguém capaz, que se comunica por sinais, que presta depoimento. Na prática jurídica, a ausência de intérpretes, ou outros recursos de comunicação, impede que pessoas surdas participem do convencimento do juiz. Por outro lado, por meio da Libras, o surdo deixa de ser parte inerte no processo e passa a exercer seu direito ao contraditório e à ampla defesa. Ao desvelar ideologias marcadas nos textos, põem-se, portanto, à disposição de operadores de direito novas formas de interpretar, de apresentar soluções ao mérito, de promover acessibilidade às pessoas surdas e assegurar-lhes garantias fundamentais, como o direito linguístico e o acesso à justiça.