Esta dissertação de mestrado surgiu sob o peso de questões que ficaram sem respostas, ao longo de mais de uma década, durante a cobertura policial em redações jornalísticas do Piauí. Neste período, foram centenas de reportagens publicadas sobre o recrudescimento da criminalidade e a escalada de homicídios envolvendo jovens: os que matavam eram os mesmos que logo morriam. Um ciclo de vinganças que deixa um rastro de famílias dilaceradas e comunidades cada vez mais vulneráveis pelos estigmas (GOFFMAN, 1987). Diante desse cenário, o trabalho analisa casos de homicídios no estado do Piauí e como estão inseridos na dinâmica de atuação das facções criminais. O trabalho pretende, assim, identificar e compreender as motivações das facções para matar e qual o nível de instrumentalização (WIKSTRÖM e TREIBE, 2009) do homicídio no Piauí. As lacunas que esta pesquisa tenta preencher surgiram porque as autoridades em segurança pública negaram até 2012 a presença de grupos faccionais no estado, e agora atribuem a eles a autoria da quase totalidade dos crimes, a partir da criação de sujeitos hiper-reais (BAUDRILLARD, 1991). A retórica estatal de controle dos territórios coexiste com a espetacularização da violência, criando o pânico que autoriza a agressividade policial e naturaliza operações midiatizadas. Ela lógica fomenta ganhos políticos-partidários sem de fato garantir paz às comunidades. A pesquisa consiste na análise de entrevistas, publicações na imprensa e sentenças judiciais já transitadas em julgado sobre homicídios. Apresenta ainda fundamentação teórica sobre as mortes violentas intencionais e sua característica de contágio (GIRARD, 2015; MANSO, 2012) a partir dos anos 1980 e 1990 no Brasil, simultânea ao surgimento e fortalecimento das facções Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC) no país. O texto traz também dados que dimensionam a magnitude do crescimento de casos no Piauí nos últimos anos.