A presente pesquisa situa-se no campo da Sociologia da Violência e do Crime e busca compreender a gênese do crime organizado no estado do Piauí, com ênfase na modalidade das milícias e na atuação de José Viriato Correia Lima. Parte-se da hipótese de que a formação das milícias piauienses está estreitamente vinculada à corrupção institucional e ao processo de miliciarização do aparato policial, revelando-se não como anomalia, mas como uma lógica estrutural de funcionamento político e social. A análise fundamenta-se em três referenciais teóricos. Primeiramente, a abordagem durkheimiana permite compreender as milícias como fatos sociais dotados de exterioridade, coercitividade e historicidade, inserindo o fenômeno no quadro das práticas regulares e funcionais da sociedade. Em segundo lugar, o conceito de “campo político” em Pierre Bourdieu possibilita interpretar o caso Correia Lima como produto das disputas simbólicas e materiais entre elites locais, em um espaço relativamente autônomo marcado pela circulação de capitais políticos, econômicos e criminais. Por fim, a perspectiva compreensiva de Max Weber contribui para decifrar as racionalidades práticas e sentidos atribuídos pelos atores sociais envolvidos, especialmente no plano micro da ação cotidiana e das interações entre agentes estatais e criminosos. Metodologicamente, a pesquisa adota uma estratégia mista e situacional, combinando entrevistas semiestruturadas, análise documental e levantamento bibliográfico. Foram consultados arquivos judiciais, hemerográficos e institucionais, resultando em mais de 1400 registros digitalizados e sistematizados. O uso de diários de campo e a triangulação de fontes permitiram superar a fragmentação dos dados e a escassez de documentação oficial, construindo uma narrativa consistente sobre as práticas de cooptação, cumplicidade e reprodução da violência no Piauí entre as décadas de 1980 e 2000. A organização do trabalho distribui-se em três tomos. O primeiro delineia o estado da arte sobre a sociologia da violência e do crime, situando o Piauí como espaço de atuação miliciana desde a Era Vargas. O segundo tomo utiliza a teoria do campo político para examinar os vínculos entre corrupção institucional, redemocratização e crime organizado, evidenciando como a lógica miliciana foi incorporada às disputas de poder locais. O terceiro tomo dedica-se ao estudo de caso de Correia Lima, reconstruindo as práticas, redes e interações que marcaram a miliciarização do aparato policial piauiense e seus efeitos diretos sobre a população nos anos 1990. Os resultados preliminares indicam que as milícias piauienses não podem ser vistas como meros desvios criminais, mas como parte constitutiva da história política e institucional do estado. A pesquisa demonstra que o processo de miliciarização envolve governança paralela, privatização da segurança e instrumentalização simbólica da violência, operando como capital político e como mecanismo de reprodução de poder. Nesse sentido, compreender o caso piauiense contribui para ampliar o debate nacional, geralmente centrado nos eixos Rio-São Paulo, revelando especificidades regionais e históricas ainda pouco exploradas. Conclui-se que a violência e a corrupção institucional, longe de representarem falhas ou exceções do Estado, devem ser entendidas como dimensões estruturantes da sua própria lógica de funcionamento. Ao mobilizar diferentes tradições teóricas e metodológicas, esta pesquisa busca não apenas preencher uma lacuna sociológica e historiográfica, mas também oferecer elementos críticos para o entendimento das interdependências entre Estado, crime organizado e milícias no Brasil contemporâneo.