Os estudos histórico-sociais descrevem de forma pormenorizada as diversas transformações ocorridas nas sociedades e que resultaram na formação do que concebemos como Estado Moderno. A historiografia dita clássica e eminentemente europeia retrata que o poder, antes exercido de forma concentrada e ilimitada por meio da vontade de Deus e da força das armas estendia-se até onde seu exército alcançasse e garantisse sua dominação passou a encontrar fronteiras/limites, o que tornou necessário o reconhecimento do outro. Com efeito, esse projeto de modernidade - sob uma perspectiva eurocêntrica, resultou na divisão do mundo, com a deflagração de um processo de invasão, apagamento de culturas e extermínio de povos que não compartilhavam do mesmo ímpeto, especialmente os localizados nos - hoje designados, continente Americano e Africano. O Brasil, maior país em extensão territorial desse sul global encontra-se constituído sob forma de República Federativa, o que expressa a adesão a um modelo Democrático de Direito, fruto do desenvolvimento de um ethos democratático, originado da construção e aprimoramento de um projeto conformador, que vem a constituir o fenômeno do Estado, em si. E nessa perspectiva de construção/transformação, em 1991 a politóloga argentina Ruti Teitel cunhou o termo transitional justice, que corresponderia ao conjunto de processos de transformação política e jurídica nos contextos de transições para as “novas democracias” na América Latina e na Europa do Leste. O fenômeno da Justiça de Transição não é algo recente, ou apenas característico do Estado Moderno. Jon Elster (2006) identifica vestígios de sua ocorrência por volta de 411-403 a.C., quando atenienses assistiram à derrocada de um regime oligárquico e que entre outras medidas operou-se a restituição de propriedades confiscadas pelos governantes que não aplicaram o modelo de democracia, então vigente. Louis Bickford (2004) amplia seu conceito, caracterizando-a como o campo do saber que se destina a entender como as sociedades lidam com legados de violações e abusos de direitos humanos praticados no passado, atrocidades em massa ou outras formas de trauma social severo, o que inclui genocídio e guerra civil, com o objetivo de construir um futuro mais democrático, justo e pacífico. Diante do imperioso e necessário desenvolvimento de uma justiça transicional local para êxito no enquadramento como Estado Democrático de Direito, o Estado Brasileiro tem lidado de forma tergiversante e seletiva na gestão do seu legado atroz.